“É necessário relançar tudo de novo na vela”

Medalhado nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996 na classe 470, Nuno Barreto considera que “dificilmente se vai conseguir montar uma campanha olímpica como deve ser” para Paris 2024.

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Nuno Barreto foi o último velejador a vencer uma medalha olimpica Rodrigo Moreira Rato/LX Sailing

A vela portuguesa tem no seu currículo quatro medalhas olímpicas (duas de prata e duas de bronze), mas os últimos velejadores nacionais a subirem ao pódio nos Jogos Olímpicos foram Nuno Barreto e Hugo Rocha na classe 470, em 1996. Um quarto de século depois da conquista em Atlanta, Barreto refere que “está a chegar-se ao fim dos resquícios de uma geração e de um projecto”, sendo “necessário relançar tudo de novo” na vela portuguesa.

Cerca de um mês depois de terminarem os Jogos Olímpicos de Tóquio, o balanço é semelhante ao de 2016 no Rio de Janeiro: os melhores resultados para Portugal foram conquistados pelos velejadores da “geração de ouro” portuguesa da modalidade.

Se no Brasil coube a João Rodrigues, na classe RS:X, a melhor prestação nacional (11.º), no Japão foram dois “consagrados” que asseguraram a classificação mais meritória para a vela nacional: Jorge Lima e José Costa terminam em sétimo na classe 49er.

Com três participações olímpicas e uma carreira de sucesso na vela, Nuno Barreto considera que os ventos não têm soprado de feição para a modalidade em Portugal. Olhando para trás, o velejador lisboeta começa por explicar que a sua geração “coincidiu com um tempo onde se conseguiu juntar os ingredientes todos necessários para que os resultados aparecessem”.

“Houve a oportunidade de haver um conjunto talentoso de atletas, um presidente da federação - o António Roquette - ao leme com a visão e ambição de montar um projecto olímpico sério, houve um José Maria Benavides, o coordenador na altura, um conjunto de treinadores com vontade de abarcar o projecto de corpo e alma, uma série de apoios de empresas e patrocínios que viram na vela uma oportunidade e havia dinheiro. Havia os ingredientes todos para a receita funcionar.”

A receita, no entanto, não teve continuidade segundo Barreto. “Daí para cá, têm faltado sempre ingredientes. Tenho sido muito crítico relativamente aos projectos de vela ligeira e olímpica em Portugal. Já em Sydney [2000] achávamos que a vela estava a cair e a bater no fundo - a organização já não era boa e havia ingredientes a faltar - e a sensação, olhando para trás, é que não parou de cair”, lamenta.

Considerando que “está a chegar-se ao fim dos resquícios de uma geração e de um projecto”, Nuno Barreto adianta que “é necessário relançar tudo de novo”. “Montar projectos individuais dificilmente nos vai levar a algum lado. É necessário que os atletas se predisponham para voltar a passar pelo que passamos na altura. Será preciso dar passos atrás. Se não, vamos continuar a viver de recordações e isso não criará uma geração com portugueses no top-20 mundial em todos os rankings.”

Olhando para o futuro, o medalhado olímpico sublinha que “é preciso perceber que faltam mil e poucos dias para os Jogos de Paris” e “estamos praticamente a começar do zero em todas as classes”, pelo que “dificilmente se vai conseguir montar uma campanha olímpica como deve ser”.

“Ou assumimos que estamos a trabalhar para Los Angeles, para 2028, e tudo o que vier é um bónus, ou vamos continuar a ter desilusões e a frustrar atletas, porque se vende um projecto que é enganoso. Há atletas com altíssimo potencial, mas se o trabalho não for bem planificado e objectivado, muitos ficam pelo caminho e abandonam pelo insucesso.”

Por que “não se pode fazer um projecto olímpico com um bloco de notas em cima do joelho”, Barreto recorda que no início do projecto olímpico de Barcelona, em 1992, “a primeira coisa que” recebeu “foi um dossier com tudo delineado e escrito. Era um projecto da federação, não era do Comité Olímpico de Portugal [COP]. Hoje em dia, esse dossier não existe”.

Embora reconheça que “falta eventualmente algum dinheiro”, Nuno Barreto diz que o que se tenta é “fazer com o dinheiro que existe, em vez de se criar um projecto para arranjar o que falta”: “Se custa 100 e o COP arranja 90, vamos ter que arranjar mais 10. É esse trabalho que não existe.”

Ouça a conversa completa com Nuno Barreto aqui

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