Supremo Tribunal do México decide que criminalização do aborto é inconstitucional

A decisão não torna o aborto legal em todo o México dizem os especialistas, mas abre um precedente no país com repercussões em toda a América Latina.

Foto
Segundo os analistas, a decisão também é fruto dos esforços do activismo pelos direitos e igualdade de género Edgard Garrido/Reuters

O Supremo Tribunal do México declarou na terça-feira que é inconstitucional criminalizar o aborto, uma decisão que pode levar à legalização do procedimento no país maioritariamente católico, dizem os activistas e especialistas. Isto significa que os tribunais vão deixar de poder penalizar casos de interrupção voluntária da gravidez, e segue-se à legalização do procedimento na Argentina e ao movimento de milhares de mulheres que tem saído à rua para exigir os seus direitos.

Numa decisão unânime, o tribunal ordenou ao estado de Coahuila, no Norte do país, a remover as sanções contra o aborto, que incluíam penas de prisão de até três anos. Os juízes justificaram que a interrupção voluntária da gravidez violava os direitos das mulheres a terem controlo sobre os seus corpos.

“Não é sobre o direito ao aborto”, disse o juiz Luis María Aguilar, que escreveu a justificação do tribunal para anular a lei do estado de Coahuila. “É, antes, sobre o direito de decidir das mulheres e das pessoas com capacidades de gestação”.

“É um dia histórico para os direitos de todas as mulheres mexicanas”, disse o presidente do tribunal Arturo Zaldívar. “É um ponto de viragem na história dos direitos de todas as mulheres, especialmente as mais vulneráveis”, porque “a criminalização do aborto pune as mulheres mais pobres, as mais marginalizadas, as esquecidas e mais discriminadas do país”.

E se foi bem recebida entre os grupos pró-aborto, foi condenada por grupos antiaborto e líderes religiosos, que ainda mantêm uma influência significativa no país. Com cerca de 100 milhões de católicos, o México é o maior país predominantemente católico do mundo depois do Brasil.

O Presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, devoto cristão, recusou comentar a decisão na terça-feira, durante uma conferência de imprensa. A sua estratégia quanto ao assunto, aliás, tem sido contornar o tema que cunhou de “controverso” e “polémico”.

Abrir precedentes

Nos últimos anos, as mulheres têm saído às ruas do México para exigir o direito ao aborto – e o fim da violência de género. E segundo os analistas, os esforços do activismo pelos direitos e igualdade de género estão a dar os seus frutos.

Até agora, apenas quatro estados mexicanos descriminalizaram o aborto até às 12 semanas de gestação, uma vez que os estados podem estabelecer as suas próprias leis de saúde. Consequentemente, mais de metade dos 32 estados mexicanos aprovou emendas para declarar que a vida começa na concepção.

Estas alterações, contudo, não têm impedido o Supremo Tribunal de decidir a favor do acesso ao aborto, e espera-se que o tribunal decida no final da semana sobre a constitucionalidade de uma alteração aprovada no estado de Sinaloa.

A decisão de terça-feira não torna o aborto legal em todo o México, dizem os especialistas, mas abre um precedente para todo o país. Como explicou Paulina Creuheras González, que dirige a análise e risco político na consultora Integralia, sediada na Cidade do México, os juízes do Supremo Tribunal estão a “estabelecer o padrão para a reforma de todos os códigos penais locais”, escreve o New York Times.

A directora da organização pelos direitos reprodutivos GIRE, Rebeca Ramos, salienta que “esta é a primeira vez que um tribunal chega ao fundo das questões” relacionadas com as restrições do aborto. Ramos também encara a decisão como um “grande passo” em direcção à legalização do aborto em todo o México.

“[Esta decisão] não vai ter impacto apenas no México, vai estabelecer o padrão para toda a região da América Latina”, onde as leis do aborto são muito restritas, disse Melissa Ayala, coordenadora de litigação na GIRE, citada pelo Washington Post. Na Argentina, a histórica legalização do procedimento foi aprovada em Dezembro do ano passado.

Sugerir correcção
Comentar