Modelos unem-se contra ex-director da Elite Models e os abusos sexuais na indústria da moda

O antigo director europeu da Elite Model Management, Gérald Marie, de 71 anos, é acusado de abusos sexuais por cerca de 24 mulheres. “Já chega”, sublinha Carla Bruni, uma das antigas modelos a dar cara pela causa.

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Gérald Marie em 2009, quando ainda era director da Elite Models PHILIPPE WOJAZER/REUTERS
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A ex-modelo e ex-primeira-dama francesa Carla Bruni Manuel Roberto/Arquivo
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A ex-supermodelo Carré Sutton Instagram/Carré Otis
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A antiga supermodelo dinamarquesa Helena Christensen Instagram/ Helena Christensen
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Paulina Porizkova aos 56 anos Instagram/Paulina Porizkova

Várias antigas modelos voaram até Paris esta terça-feira não para um desfile, como seria de esperar, mas para serem entrevistadas pelos serviços da unidade de protecção infantil da Polícia de Paris. São pelo menos 24 as mulheres que acusam um dos homens mais poderosos da indústria da moda, Gérald Marie, de abusos sexuais, alguns deles perpetrados há mais de três décadas.

Há quase um ano, em Setembro de 2020, foi noticiado que 24 mulheres haviam apresentado queixa contra o ex-director europeu da Elite Model Management, Gérald Marie, com alegações de abusos sexuais. A investigação foi aberta pelos procuradores franceses que procuram verificar a veracidade dos testemunhos dos abusos ocorridos entre os anos 80 e 90 do século passado. Então, muitas desta mulheres eram menores.

Impulsionadas pelo movimento #MeToo, dezenas de antigas modelos apoiam a vítimas de Gérald Marie e procuram, aliás, redigir um código de trabalho mais rigoroso para proteger sobretudo as modelos mais jovens e vulneráveis, frequentemente a trabalhar longe de casa e da família. “Já chega — estou com a Carré e as outras sobreviventes de Gérald Marie”, disse Carla Bruni, uma das modelos mais icónicas dos anos 1990 e a ex-primeira-dama francesa, citada pelo New York Times.

Bruni referia-se a Carré Sutton, a antiga supermodelo americana, que dá o rosto pelo grupo das vítimas de Marie e conta ter sido abusada sexualmente múltiplas vezes por Gérald Marie, em 1986, quando tinha apenas 17 anos. Segundo a queixa apresentada, os abusos terão começado quando a então namorada do director da agência, a modelo Linda Evangelista (com quem Gérald Marie casou mais tarde, agora divorciados) estava em viagem. “Foi-se tornando cada vez mais claro para mim que se eu recusasse, não trabalharia”, recorda, ao New York Times, a antiga supermodelo.

Também a antiga repórter da BBC, Lisa Brinkworth, revela ter sido abusada por Marie, em 1998, quando se fez passar por modelo para um documentário da emissora britânica. Os abusos terão acontecido depois de um jantar com várias modelos, numa discoteca, onde o director da agência a terá prendido a uma cadeira e abusado dela. O incidente terá sido visto por um sem número de pessoas, que, de acordo com a própria, em declarações à BBC, nada fizeram para o deter.

Gérald Marie, de 71 anos, tem negado sucessivamente, em comunicados emitidos pelo seu advogado, todas as acusações, que diz serem “alegações falsas e difamatórias”. O empresário só prestará “eventuais declarações” depois de falar com as “autoridades competentes”.

Model Alliance: apoiar as trabalhadoras da moda

Carré Sutton é apenas uma das vítimas dos abusos de Gérald Marie, que Carla Bruni e outras antigas modelos garantem serem comuns no mundo da moda. “Não há uma indústria imune aos abusos sexuais”, sublinha a mulher de Nicolas Sarkozy. “Há tanto trabalho a fazer em França e à volta do mundo para assegurar que as mulheres são protegidas da violência sexual nos seus trabalhos”, acrescenta.

A antiga supermodelo dinamarquesa Helena Christensen concorda e diz estar ao lado de todas “as mulheres corajosas para tudo”. A checa Paulina Porizkova recorda como, nos primeiros anos da sua carreira, as jovens modelos quase viam “o assédio sexual como um elogio”. “Como modelos não éramos pagas pelo nosso talento. Estávamos a arrendar o nosso corpo e cara. O nosso próprio corpo não nos pertencia”, lamenta.

Bruni, Christensen e Porizkova aplaudem as mulheres que viajaram até Paris para prestar depoimento, “por uma indústria melhor e pelas mulheres que não conseguiram chegar-se à frente”. E mais do que aplaudir, as antigas supermodelos decidiram fundar a associação sem fins lucrativos para apoiar as trabalhadoras da área da moda, a Model Alliance. Já começaram a trabalhar e a apoiar as queixosas no processo contra Gérald Marie, com reuniões semanais por Zoom, onde as vítimas têm acesso a apoio legal, de forma gratuita.

Além disso, têm tentado que a indústria siga o programa Respect, elaborado com o apoio de mais de 100 modelos, com um conjunto de recomendações para os direitos das modelos e uma lista de consequências para os casos de violação destas regras. No entanto, não tem sido fácil conseguir que o programa seja aprovado por falta de assinaturas — por exemplo, a actual directora executiva mundial da agência Elite, Julia Haart, ainda não assinou.

“Procuramos justiça para os sobreviventes, mas também queremos uma indústria da moda mais segura e equitativa, com um verdadeiro sentido de responsabilização”, destacou a fundadora da Model Alliance, Sara Ziff, que trabalhou de perto com Carré Sutton. A queixa da ex-modelo está enquadrada na lei dos Estados Unidos, a Child Victims Act, que permite às vítimas de abusos sexuais apresentarem queixa contra os seus agressores em qualquer altura, independentemente de quando aconteceram os abusos.

Até agora, Ziff acredita que a indústria da moda tem saído impune e escapado ao escrutínio público. É isso que quer incentivar com esta tomada de posição e a fundação da Model Alliance. Já Carré Sutton, outrora rosto de marcas como a Calvin Klein e a Guess, diz esperar que o processo aberto em Nova Iorque e os testemunhos prestados em Paris esta semana, encorajem outras vítimas a contar as suas histórias e a iniciar novos processos criminais. Porque, garante Sara Ziff, “hoje continuam a acontecer abusos semelhantes na indústria”.

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