“Temos tido muitas promessas, o que precisamos é de vacinas”, diz a OMS

Metas de entrega de doses da Covax para este ano revistas em baixa. Director-geral da Organização Mundial de Saúde pediu esta quarta-feira a uma extensão da moratória sobre as terceiras doses e apelou ao G20 para resolver esta crise de desigualdade.

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Vacinação contra a covid-19 em Lagos, na Nigéria EPA/AKINTUNDE AKINLEYE

Os líderes do G7 prometeram cerca de mil milhões de vacinas contra a covid-19 aos países mais pobres, mas até agora menos de 15% dessa quantidade se materializou, disse o director-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, numa conferência de imprensa online esta quarta-feira em que fez um balanço negro deste mundo desequilibrado no acesso às vacinas, em que 80% dos 5,5 mil milhões de doses produzidas até agora foram aplicadas nos países ricos e apenas 20% em países mais pobres.

“Não me calarei enquanto as empresas e os países que controlam o mercado global de vacinas continuarem a pensar que os pobres do mundo devem satisfazer-se com os restos”, declarou Tedros Ghebreyesus.

“Temos tido muitas promessas. Os fabricantes também prometeram dar prioridade aos países mais pobres, e estamos aqui. Continuamos a ter a meta de que cada país do mundo consiga vacinar pelo menos 10% da sua população até ao fim deste mês, 40% até ao fim deste ano, e 70% até meados do próximo ano, mas pelo menos a primeira meta não vai ser cumprida. Não precisamos de mais promessas, precisamos de vacinas”, afirmou ainda o o director-geral da Organização Mundial de Saúde.

A iniciativa Covax, o programa em que a OMS se juntou às organizações Aliança para as vacinas GAVI e Coligação para as Inovações de Prontidão Pandémica (CEPI) para tentar fazer chegar vacinas contra a covid-19 aos países mais pobres, reconheceu nesta quarta-feira que não será capaz de cumprir os seus objectivos para este ano. Espera ter acesso a 1,4 mil milhões de doses da vacina ainda em 2021, das quais 1,2 mil milhões se destinam às 92 economias identificadas como mais frágeis. “Só esperamos atingir o marco da entrega de dois mil milhões de doses durante o primeiro trimestre de 2022”, disseram as entidades que formam a iniciativa, em comunicado.

Às dificuldades de acesso às vacinas – os fabricantes dão prioridade às nações ricas – juntam-se outros problemas como “proibições de exportação, a prioridade a acordos bilaterais entre fabricantes e países, desafios em aumentar a produção enfrentados por alguns fabricantes e atrasos no processo de obtenção de autorização das vacinas”, diz o comunicado da Covax.

Mas há países que têm recusado vacinas aprovadas pela OMS, e integradas na Covax, porque não foram aprovadas nos respectivos países, diz Tedros Ghebreyesus. “Ou então porque temem não poder viajar para certos países se forem vacinados com determinadas vacinas”, adiantou, referindo-se à manta de retalhos que é o sistema de aprovação de vacinas a nível mundial. Por exemplo, as vacinas chinesas, usadas amplamente na América Latina, na Ásia e alguns países africanos e do Médio Oriente, não são reconhecidas na Europa.

Uma questão urgente, e que a OMS diz estar a ter um impacto na disponibilidade de vacinas para os países mais pobres, é a decisão de alguns países, no mundo rico, de avançarem com a administração da terceira dose – para populações de sistema imunitário mais frágil, ou mesmo tendencialmente para toda a população, como está a acontecer por exemplo em Israel. “É como atirar um colete salva-vidas a quem já tem um vestido. Não é a melhor maneira de salvar vidas”, comentou Bruce Aylward, conselheiro sénior do director-geral da OMS. “Já nos obrigou a reduzir as previsões das entregas de vacinas da Covax.”

Tedros Ghebreyesus tinha apelado a uma moratória a esta terceira dose pelo menos até meados desde mês. Agora reforçou o apelo. “Faço uma extensão do pedido de moratória até pelo menos ao fim do ano, para ver se conseguimos atingir a meta de ter 40% da população de todos os países vacinada”, afirmou.

A verdade é que não há um argumento científico válido para administrar doses de reforço, afirmou Kate O’Brien, directora do Departamento de Imunização e Vacinas da OMS. “Não existe um consenso científico sobre a sua necessidade. As vacinas que temos estão a mostrar resistir bem ao SARS-CoV-2 e às suas variantes, a proteger contra a doença grave. O que os comités consultivos da OMS nos dizem é que não há motivos para administrar uma dose de reforço da vacina contra a covid-19. Não temos provas convincentes para administrar uma terceira dose”, assegurou.

O director-geral da OMS participou no fim-de-semana passado numa reunião dos ministros da Saúde do G20, e disse que teve várias garantias de os países se vão esforçar para que sejam atingidas as metas de vacinação defendidas pela Organização Mundial de Saúde. A reunião dos líderes será a 30 e 31 de Outubro, em Roma, e é para lá que Tedros Ghebreyesus dirige estas mensagens. “Estes países são os maiores produtores, consumidores e doadores de vacinas contra a covid-19. As 20 maiores economias mundiais detêm a chave para alcançar a igualdade nas vacinas e acabar com a pandemia”, defendeu.

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