Tribunal Europeu dos Direitos Humanos rejeita queixa de mulher depois de ex-marido aceder a emails num site de encontros

Mulher espanhola apresentou queixa pelo facto de o ex-marido português ter acedido a emails que a própria tinha trocado num site de encontros e os ter apresentado como prova num processo de divórcio e para obter a guarda dos filhos.

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Ex-marido acedeu a emails que a mulher tinha trocado num site de encontros Paulo Pimenta

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou, esta terça-feira, “por unanimidade”, que não houve violação do direito ao respeito pela vida privada no caso de uma mulher que apresentou queixa pelo facto de o ex-marido não ter sido punido pelos tribunais portugueses por ter acedido a emails que a própria tinha trocado num site de encontros e os ter apresentado como prova num processo de divórcio e para obter a guarda dos filhos.

A mulher é uma cidadã espanhola, de 63 anos, que vive em Madrid e que, em 2001, casou com um cidadão português. O casal teve dois filhos e vivia entre Portugal e Espanha por questões profissionais. Em Junho de 2011, a relação do casal começou a deteriorar-se e a mulher decidiu viver permanentemente em Espanha com os filhos. Em Julho do mesmo ano, a mulher solicitou ao Tribunal de Primeira Instância de Madrid o estabelecimento de medidas provisórias sobre a responsabilidade parental dos filhos, com vista ao divórcio.

Em Agosto, o homem recorreu, por sua vez, ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa para a fixação provisória da residência das crianças em Portugal. O homem anexou ao caso emails que encontrou no computador da família, em Novembro de 2010, e que tinham sido trocados entre a mulher e outros parceiros masculinos num site de encontros, alegando que as conversas provavam que a sua ex-mulher teve relacionamentos extraconjugais durante o casamento.

Em Outubro de 2011, o homem intentou um processo de divórcio em Portugal, que foi suspenso, em Setembro de 2013, pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa enquanto se aguardava decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre qual a autoridade judicial teria competência para decidir o litígio.

Em Junho de 2015, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que a primeira jurisdição à qual o caso foi apresentado, ou seja, os tribunais espanhóis, deveria decidir o desfecho do caso. Os tribunais espanhóis determinaram então o divórcio do casal e concederam os direitos de residência das crianças à mãe e direitos de contacto partilhado ao pai.

Entretanto, em Março de 2012, a mulher apresentou uma queixa-crime ao Ministério Público português, na qual acusava o ex-marido de violação do segredo de correspondência, conforme estipulado no artigo 194.º do Código Penal. A mulher alegou que o ex-marido acedeu à caixa de entrada da sua conta num site de encontros, imprimiu os emails que ela tinha trocado com outros parceiros masculinos e apresentou-os como prova no processo por ele instaurado no Tribunal de Família e Menores de Lisboa.

Em Outubro do mesmo ano, o Ministério Público ordenou a suspensão do processo e, em Novembro, a mulher pediu para poder participar no processo penal na qualidade de assistente e solicitou a abertura de uma investigação judicial. Porém, ela não apresentou um pedido de indemnização e o juiz de instrução criminal ordenou que o processo fosse suspenso. A mulher recorreu então ao Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou as provas insuficientes para ordenar que o ex-marido fosse a julgamento.

Com base no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, sobre o direito ao respeito pela vida privada e à correspondência, a mulher apresentou uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a 29 de Março de 2014. O julgamento foi proferido por uma secção de sete juízes, incluindo a magistrada portuguesa Ana Maria Guerra Martins.

O Tribunal de Estrasburgo considerou que “as consequências da divulgação desses emails na vida privada da mulher foram limitadas, uma vez que os mesmos foram divulgados apenas no processo cível” e que “o acesso público aos arquivos neste tipo de processos é limitado”. O Tribunal Europeu notou ainda que “os emails em questão acabaram por não ser analisados”, visto que o Tribunal de Família e Menores de Lisboa não se pronunciou sobre “o mérito dos pedidos” do ex-marido, e que as autoridades portuguesas fizeram uma análise “equilibrada” dos interesses de ambos, “em conformidade com os critérios definidos na sua jurisprudência”. Nesse sentido, não entendeu existir “qualquer razão relevante” para substituir a decisão dos tribunais portugueses por uma decisão sua.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos destacou também que, “na sequência da denúncia criminal apresentada pela mulher por invasão da sua correspondência”, o Ministério Público português abriu uma investigação e que, além disso, a mulher “foi autorizada a participar no processo penal na qualidade de assistente, o que lhe permitiu participar activamente nos procedimentos”. Em particular, a mulher pôde “apresentar as suas provas e depois solicitar que fosse aberta uma investigação quando o Ministério Público decidiu suspender o processo”.

Além disso, refere uma nota do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a mulher “podia ter apresentado um pedido de indemnização quando solicitou a abertura de uma investigação”, uma “oportunidade” à qual ela “renunciou”. O seu objectivo, refere o Tribunal, era “apenas obter o reconhecimento da suposta violação dos seus direitos”. Os juízes em Estrasburgo concluíram também que, em casos como este, “o sistema jurídico existente em Portugal proporcionou uma protecção adequada ao direito pelo respeito à vida privada e sigilo de correspondência”.

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