Os pais têm o dever de poupar os filhos da tristeza

As famílias assustam-nos, por mais que o neguemos. Nas famílias cada um vive na sua gaiola e pertence ao mesmo viveiro espacial. Numa família não há saída de emergência, fica-se até ao final, quer queiramos ou não.

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Heike Mintel/Unsplash

Quando um ser humano adulto é responsável por colocar uma pessoa no mundo, a sua própria existência fica virada de pantanas; é-se pendurado pelos pés no estendal de um vigésimo andar. Apavora, sim, e um deslize pode ser fatal, mas a nova posição oferece também, e de forma única, a possibilidade de usufruir do panorama e de sentir, literalmente, a força da gravidade. Desse dia em diante e até ao fim da vida fica-se em suspenso – sem outro remédio senão confiar em frágeis e quebradiças molas que nos prendem a uma certa estabilidade emocional. Nunca mais se deixa de sentir a força do abismo.

Chama-se medo. Se há amor a sério, há medo. No amor incondicional de progenitor temos pavor de que algo de mal aconteça àquele ou àquela que trouxemos ao mundo. Os pais e as mães colocam-se naturalmente em segundo plano, como algumas personagens do cinema, para que os protagonistas, os filhos, brilhem. Neste caso, os heróis da narrativa, os nossos protagonistas, são sempre as crias. Deixa-se de ver o mundo num plano estritamente subjectivo.

É uma mudança que acontece com gosto na vida dos progenitores, claro, mas nem por isso se deixa de sentir medo. Também eu e a minha mulher tínhamos aquele ar de bichos amedrontados no dia em que nos nasceu o João. O pavor de saber que estamos a trazer ao mundo um novo ser indefeso, e a inaugurar um vínculo familiar que é para sempre. Para sempre. Como não ter medo? É que passamos a ser irreversivelmente adultos e, sem sabermos como, passamos de filhos a pais e criamos uma família.

As famílias assustam-nos, por mais que o neguemos. Nas famílias cada um vive na sua gaiola e pertence ao mesmo viveiro espacial. Numa família não há saída de emergência, fica-se até ao final, quer queiramos ou não. Mesmo que nos afastemos fisicamente, o vínculo continua lá, perene, definitivo. Portanto, há que viver esta união com a máxima alegria possível. Sempre tive a noção da importância e da responsabilidade dos pais na alegria dos filhos. Cada vez que o meu filho se ri de algo que eu lhe digo ou proporciono, sinto que introduzi alguma alegria no mundo. Isto deixa-me, de certa maneira, apaziguado com a humanidade.

Sei que a minha responsabilidade de pai assenta, sobretudo, na importância de trazer alegria para o lar. Além de garantir parte do sustento, um pai deve fazer rir os filhos. É tão importante darmos alegria aos nossos descendentes. Os pais têm o dever de poupar os filhos da tristeza. E de fazer dessa gaiola, chamada casa de família, o sítio mais aprazível possível.

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