Ensino superior… não para todos

São ainda tão poucas as pessoas com deficiência a apostar na sua formação superior, algo que um ensino mais inclusivo poderia ajudar a reverter. Não nos esqueçamos que estamos a ser negligentes com a educação, um direito consagrado na nossa Constituição.

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Nelson Garrido

Talvez este seja mais um texto sobre inclusão. Talvez, mais uma vez, seja importante bater o pé sobre aquilo que se tem feito a respeito dos direitos das pessoas com deficiência em Portugal.

Nasci com glaucoma congénito. Com 14 anos, devido a uma subida repentina da tensão ocular, perdi o pouco resido visual que me permitia ainda realizar actividades que me preenchiam, como fotografar e desenhar.

Foi o pânico, o caos, perdi o chão, que remédio tive eu senão reaprender a viver, claro com o apoio da minha família e um ou outro amigo, a quem até hoje devo aquilo que sou.

Na altura, tudo me pareceu possível. Tal como qualquer outro adolescente, sonhava conquistar o mundo, encontrar uma área de sonho e progredir na carreira. Felizmente, hoje estou licenciado e a caminho do mestrado.

A verdade é que este sucesso não é um padrão e, na maioria das vezes, as barreiras sociais são mais do que as próprias respostas para as colmatar. Isto porque à medida que vamos crescendo é expectável que comecemos a trilhar o nosso caminho académico e profissional de forma autónoma. E é aqui que começamos a ter percepção da ausência de uma resposta estrutural, universal e democrática. Quer porque somos de imediato barrados pelos pré-requisitos exigidos no acto da candidatura, quer porque, já depois da colocação, batemos de frente com professores que não estão dispostos a entender as adaptações curriculares que certa incapacidade exige.

É verdade que, nos últimos anos, muito tem sido feito para incluir alunos com necessidades educativas especiais no ensino superior a partir da criação de gabinetes de apoio e até mesmo o próprio contingente especial de acesso a este grau de ensino.

Contudo, são ainda bastantes as fragilidades que condicionam o caminho de um estudante deficiente visual na faculdade. Desde as sebentas que se apresentam como inacessíveis devido ao número elevado de gráficos e imagens, à inacessibilidade dos repositórios científicos digitais que dificultam a sua exploração com os leitores de ecrã, a ausência de envio antecipado dos materiais projectados em aulas seguintes, entre outros factores que levam estes estudantes a pedir apoio às suas redes informais.

Revela-se assim urgente apostar numa estratégia nacional, que vá além da boa vontade das instituições de ensino superior público e privado em criar as melhores condições que respondam às dificuldades sentidas, que colmate as divergências entre todas as universidades e politécnicos e respectivas escolas e faculdades.

É necessário investir em políticas sociais que permitam o acompanhamento integrado do aluno, desde que consentido, apurando as suas forças e fraquezas internas e possíveis ameaças e oportunidades no meio em que se encontra, de modo a promover a sua autonomização e o sucesso escolar.

Acredito que estas políticas devam passar pela formação de profissionais no que toca às problemáticas inerentes à deficiência, em materiais de apoio técnico e, sobretudo, na consciencialização ao nível social, nomeadamente do pessoal docente e não docente, de estudantes, da sociedade em geral, de modo a destruir estereótipos, e político, para que estas e outras medidas sejam levadas a cabo, sem que sejam repetidamente reivindicadas.

São ainda tão poucas as pessoas com deficiência a apostar na sua formação superior, algo que um ensino mais inclusivo poderia ajudar a reverter. Não nos esqueçamos que estamos a ser negligentes com a educação, um direito consagrado na nossa Constituição.

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