O nosso homem na Lua

A incoerência das políticas públicas tem custos elevados, traduzidos em resultados que não se alcançam e dinheiro que se desperdiça. Com os vultosos meios financeiros que o país vai ter à sua disposição não podemos repetir os erros do passado.

Portugal vai receber 58 mil milhões de euros de fundos europeus. São 23 milhões de euros por dia até final de 2027. Como lamentou a comissária europeia Elisa Ferreira, em recente entrevista à RTP, “é penoso, após tantos anos de apoios, ver Portugal no grupo dos países menos desenvolvidos da União Europeia”. A razão deste insucesso deve-se ao facto de os fundos europeus serem mal aplicados, de as políticas públicas serem contraditórias, atropelando-se umas às outras.

Um exemplo entre mil possíveis: o Estado, através do Polis do Sudoeste Alentejano, investiu, nos últimos dez anos, 40 milhões de euros para requalificar o Parque Natural. Ao mesmo tempo, apoiou investimentos agrícolas em 45 milhões de euros, através do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR). O resultado paisagístico é uma área equivalente a 1600 campos de futebol coberta de plástico, com consequências irreversíveis na biodiversidade, como denunciou o PÚBLICO. Paga-se para conservar e para degradar.

Na nossa gestão de fundos europeus, a preocupação é apenas a de garantir taxas de execução elevadas, mesmo obtidas à custa de projectos que se contrariam. Importa mais gastar muito, do que gastar bem. Mas o desenvolvimento do país exige caminhos coerentes, com objectivos claros no sentido que é assumido por Mariana Mazzucato, no seu livro “Mission Economy. A Moonshot Guide to Changing Capitalism, 2021”, onde defende que são necessários objectivos inspiradores, capazes de catalisar a inovação na sociedade. Foi este método que conseguiu levar o homem à Lua.

Em Portugal, também teremos que colocar “um nosso homem na Lua”. O que passa por fixar um objectivo inspirador, nos mobilizarmos e estruturar uma missão para o conseguir alcançar. Estamos em 17º lugar no PIB per capita e em 21º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, entre os 27 da UE. Chegar à primeira metade da tabela significa atingir o 13º lugar em ambos os indicadores. Poderá ser este o resultado a alcançar com o nosso objectivo inspirador. A preparação da missão exige que se comece por efectuar uma avaliação da consistência e coerência das propostas, de forma a eliminar as contradições e redundâncias. É um exercício que exige selectividade e coragem, que obriga a preterir projectos e a deixar “clientes” insatisfeitos, o que não será fácil num cenário político instável. O PS em ciclo descendente, o PSD a não se afirmar como alternativa e o populismo a crescer.

A solução pode passar pelo Presidente da República, caso se disponha a liderar uma onda criativa que nos entusiasme e garanta um compromisso a prazo entre os principais partidos políticos. Um pequeno passo para um homem, um salto enorme para os portugueses.

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