O hidrogénio debaixo dos nossos pés

No caso do hidrogénio, os desafios são complexos porque pouco se sabe sobre a interacção entre o gás e a rocha e os seus efeitos ao longo do tempo. Desconhecem-se as localizações mais favoráveis para o seu armazenamento em território nacional, as vantagens, limitações e o volume de cada um destes potenciais alvos.

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Barco Energy Observer, movido a hidrogénio através do processo de electrólise. Nuno Ferreira Santos

Conhecido nas últimas semanas, o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas​ (IPCC) é claro: atingir as metas do Acordo de Paris assinado em 2015 é uma miragem. Não é alarmismo. É o amanhã a acontecer hoje. São as consequências das alterações climáticas a afectarem o nosso quotidiano com uma velocidade avassaladora. Os eventos extremos a acontecer são cada vez mais frequentes. É isto que o historial de dados das últimas décadas, com a variação temporal de diversas variáveis climáticas, nos diz.

São eventos que, sabemo-lo hoje, estão indubitavelmente relacionados com a crise climática que atravessamos. No Verão que agora termina são exemplos os incêndios de grandes dimensões que afectaram os países do Sul da Europa, a costa Oeste dos Estados Unidos e a Sibéria, as cheias que inundaram os países da Europa central durante o mês de Julho, ou o furacão Ida, que recentemente atingiu a Costa do Golfo dos Estados Unidos da América.

Mais do que nunca, é tempo de concretizar a tão desejada transição energética. Converter a actual matriz energética numa mais verde, menos dependente de fontes energéticas poluentes, como o carvão e o petróleo, e que tenha uma maior percentagem de fontes de energia renovável. É premente uma mudança à escala global, onde as partes cumpram o seu papel.

A julgar pelos anúncios do Governo nos últimos meses, a estratégia nacional para a transição energética terá como um dos seus principais motores a produção de energia através de hidrogénio verde. Hidrogénio verde significa que a energia fornecida ao processo químico que permite separar os átomos de hidrogénio e oxigénio presentes na água (electrólise) tem origem em fontes de energia renováveis.

Apesar de o hidrogénio ser há muito utilizado como combustível para veículos, e de gerar emissões em muito menores quantidades do que as produzidas por combustíveis fósseis, a sua implementação a grande escala é ainda um desafio. Estes desafios não se circunscrevem à tecnologia relacionada com a produção e utilização do hidrogénio de forma eficiente. É frequentemente ignorada outra parcela desta mesma equação. Dependendo do consumo energético num determinado momento, o hidrogénio verde pode ser armazenado para posterior utilização, quando a quantidade produzida através de fontes renováveis for menor do que a necessária para consumo.

Uma das soluções de armazenamento com maior potencial, por ser possivelmente mais segura e fiável ao longo do tempo, é o seu armazenamento no subsolo. Para que isso aconteça é necessário desenvolver a tecnologia para a sua injecção a várias centenas de metros de profundidade e conhecer locais da subsuperfície que funcionem como armadilhas geológicas, que não deixam o gás escapar até à superfície após ser injectado. Por outras palavras, onde as rochas do subsolo tenham espaço para guardar este fluído para que fique aprisionado no seu interior por longos períodos.

Este será um processo de armazenamento semelhante ao que já acontece com o gás natural e com o dióxido de carbono. O armazenamento de dióxido de carbono no subsolo contribui efectivamente para a diminuição deste gás na atmosfera e é hoje uma realidade em vários países, sendo o Mar do Norte, e em particular o sector norueguês, um caso de sucesso nesta matéria.

A estratégia para a transição energética é multidimensional e multidisciplinar. Resumir a narrativa à capacidade de produzir hidrogénio sem acautelar o seu armazenamento estratégico poderá vir a revelar-se uma limitação importante para os objectivos que todos queremos alcançar. No caso do hidrogénio, os desafios são complexos porque pouco se sabe sobre a interacção entre o gás e a rocha e os seus efeitos ao longo do tempo. Desconhecem-se as localizações mais favoráveis para o seu armazenamento em território nacional, as vantagens, limitações e o volume de cada um destes potenciais alvos.

O conhecimento científico e técnico para abordar estes tópicos existe nas universidades e centros de investigação que há muito se dedicam ao desenvolvimento de métodos para a caracterização e modelação dos recursos energéticos da subsuperfície. Uma estratégia nacional de sucesso para a transição energética passará também por aproveitar estes recursos. 

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