O homem do passado

Não, não existe uma ligação direta entre o número de estudantes de Medicina e o de médicos especialistas. O motivo é simples: atualmente, os hospitais e centros de saúde não têm capacidade para absorver todos os diplomados em medicina para formar os médicos especialistas que o País precisa (oriundos das escolas médicas de Portugal e outros países).

O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), Manuel Heitor, proferiu afirmações profundamente lamentáveis sobre um tema de importância estratégica para o desenvolvimento do País: a formação médica. E nem o facto de as repetir à exaustão as tornarão algum dia verdadeiras.

Não, não existe uma ligação direta entre o número de estudantes de Medicina e o de médicos especialistas. O motivo é simples: atualmente, os hospitais e centros de saúde não têm capacidade para absorver todos os diplomados em medicina para formar os médicos especialistas que o País precisa (oriundos das escolas médicas de Portugal e outros países).

Todos os anos, centenas de diplomados em Medicina, que não conseguem ter acesso à formação especializada, são obrigados a tomar o caminho da emigração ou da medicina não especializada. O que o MCTES parece não querer é que o investimento prioritário seja no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A formação de médicos especialistas em Portugal - com elevados níveis de qualidade e exigência - passa por um reforço e investimento no SNS. Em vez de gastarmos os dinheiros públicos em novas faculdades inúteis, deveriam ser alvo de mais investimento as atuais faculdades, os hospitais e centros de saúde, como aliás a pandemia o tem demonstrado. Lamento que o MCTES faça parte da corrente que não deseja reforçar o SNS.

Na mesma entrevista, o governante atirou o ensino e formação médica para um retrocesso de 40 anos ao afirmar que os Médicos de Família podiam ser formados como acontecia antes dos anos 80 em Portugal. Isto seria o pior erro a cometer em quase 50 anos de democracia. Não precisamos de médicos formados à pressão, como acontecia no passado. Precisamos de médicos com uma formação de elevada qualidade que honram a Medicina, a Saúde e os seus doentes, num país da União Europeia do século XXI.

Os programas de formação médica das especialidades, publicados em Diário da República, ao contrário do que afirma o ministro, estão perfeitamente definidos e contemplam as especificidades de cada especialidade, inclusivamente na sua duração e diferenciação (a formação específica varia de 4 a 6 anos dependendo da especialidade, algo que Manuel Heitor parece desconhecer ao afirmar que “para formar um médico de família experiente não é preciso, se calhar, ter o mesmo nível, a mesma duração de formação que um especialista em oncologia ou um especialista em doenças mentais”.

A comparação feita com a formação médica no Reino Unido peca somente por não corresponder minimamente à atual realidade daquele país. Tanto desconhecimento chega a ser penoso.

O prof. Manuel Heitor deveria conhecer melhor o tema para não proferir afirmações que envergonham todos e, em particular, o ensino e a formação médica.

Ideias, propostas e pontos de vista diferentes são sempre bem-vindos. Mas o Ministro não pode desconhecer completamente o tema e querer empurrar a medicina e os cuidados de saúde para um passado que já ninguém deseja.

É preciso uma visão de futuro e de defesa da Saúde e dos doentes.

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