A resiliência não é só para os fortes

Resiliência é saber cair! Mais do que sermos julgados pelos nossos sucessos talvez valha a pena olhar para as vezes em que caímos e nos levantámos e o julgamento ser feito a partir daí, como diria Nelson Mandela.

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Nuno Ferreira Santos

“Tirei-lhe tudo, no quarto, que pudesse ser divertido ou distraí-lo. Acredita que se conseguiu entreter durante horas com clips!?” Foram sensivelmente estas as palavras que ouvi da boca de um pai, que não sabia já o que fazer após tanta retirada de privilégios ao filho, em virtude de um acumular de disparates. O Vasco era uma criança assim! Em tudo via entusiasmo! E mesmo quando foi alvo de gozo por parte de colegas mal-intencionados, supostamente por apresentar gestos mais efeminados e ficar triste com estes comentários, não demorava muito a vestir um sorriso bonito, tão dele, daqueles que iluminam em dias de vida nublada quem está à sua beira, sem gastar electricidade.

No dia em que conversei com o pai do Vasco empatizei com a sua aflição. Não é fácil educar uma criança e querer ser para ela o melhor modelo possível, sabendo-nos adultos imperfeitos. Ainda menos quando parece não ter nada a perder e olha para o mundo como se tudo fosse lucro. Como fazê-lo reflectir sobre os disparates que fez, se logo encontra encanto e gratidão à vida numa suposta insignificância qualquer?

Não são sempre os adultos que fazem reflectir as crianças. Falamos muito da importância da experiência de vida, mas os que têm mais futuro do que passado também nos fazem pensar. Ser curioso e ter a capacidade de se encantar com as pequenas grandes coisas da vida é das melhores curas para o aborrecimento. E se há coisa que miúdos e graúdos têm dificuldade em lidar, numa sociedade de consumo imediato como a nossa, é com essa coisa de não ter nada para fazer.

O pai do Vasco, sem querer, estava a ajudar a promover no filho uma característica que nos é muito útil: resiliência. A capacidade que nos permite lidar com os nossos problemas e superá-los, adaptarmo-nos a mudanças e adversidades e transformarmos experiências negativas. Ela ajuda-nos a gerir melhor o stress das situações difíceis do dia-a-dia ou até mesmo de eventos traumáticos e a aproveitarmos as coisas boas da vida, mesmo quando há aspectos que correm mal.

Resiliência é saber cair! Mais do que sermos julgados pelos nossos sucessos talvez valha a pena olhar para as vezes em que caímos e nos levantámos e o julgamento ser feito a partir daí, como diria Nelson Mandela. Ou questionarmos um pouco mais a fundo sobre o que é essa coisa de ter sucesso na vida. Será, por vezes, o que Winston Churchill referia: ir de fracasso em fracasso, sem perda de entusiasmo e sem entrar em desespero? Ou ter a paciência necessária para trilhar caminhos, sem ficarmos naquele estado tão bem descrito por Mia Couto de “esparramorto” dos becos sem saída? Talvez mais importante do que o que a vida faz connosco seja o que nós fazemos com a vida.

A resiliência não é algo que esteja apenas ao alcance das chamadas pessoas fortes e corajosas. Podemos aprendê-la, construí-la e desenvolvê-la, desde tenra idade. Encontramo-la diariamente em várias pessoas à nossa volta e em nós próprios. Na realidade, tornamo-nos mais resilientes quando somos expostos a alterações no contexto em que vivemos e aprendemos a lidar com elas e a ultrapassá-las. Contudo, a resiliência não é uma espécie de varinha de condão, nem vai fazer com que os nossos problemas desapareçam.

Somos mais resilientes quando gostamos e nos aceitamos como somos, confiamos nas nossas capacidades para resolver problemas e temos orgulho em nós. Quando nos propomos a alcançar objectivos realistas, nos focamos no que podemos controlar, aprendemos com os nossos erros e pedimos ajuda quando dela precisamos. Mas, também quando estamos atentos à nossa saúde (física e psicológica), respeitamos as nossas necessidades de sono, fazemos uma alimentação equilibrada e actividade física regular.

E como podemos desenvolver e ajudar a desenvolver nos mais novos a resiliência? Alimentando relações positivas e não tóxicas com familiares e amigos, que nos acompanhem nos dias bons e menos bons, que nos ajudem a pensar e a lidar com os nossos desafios; fazendo coisas que, diariamente, dão sentido e propósito à nossa vida; aceitando que a mudança e incerteza fazem parte dela e que nem tudo estará sob o nosso controlo; cuidando do nosso bem-estar, das nossas rotinas e fazendo actividades que nos dêem prazer; prestando atenção aos nossos sentimentos e necessidades e recorrendo ao humor, quando possível, que é uma boa forma de ajudar a integrar o que de menos bom nos vai acontecendo.

O Vasco é hoje um jovem adulto. E o brilho no olhar, que ainda hoje recordo, era o de um miúdo que gostava muito de viver, apesar dos infortúnios com que se ia deparando e da forma disparatada como por vezes agia. Era um olhar que se nutria desse alimento invisível chamado esperança, o que o tornava uma criança resiliente. Porque a esperança pertence à vida! Nas palavras de Julio Cortázar é a própria vida a defender-se.

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