A retoma pós-covid no futebol europeu ainda não chegou a Portugal

No dinheiro movimentado nos principais campeonatos houve uma queda de 41% entre os mercados de Verão de 2019 (o último sem covid) e 2020 (o primeiro com covid), mas isso mudou em 2021, com uma subida de 2%. Um travão europeu nos efeitos nefastos da pandemia, mas, em Portugal, não há algo semelhante à vista.

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Nuno Mendes trocou o Sporting pelo PSG EPA/MIGUEL A. LOPES

Os clubes europeus já começam a dar sinais de retoma financeira pós-pandemia, mesmo com a covid-19 ainda presente no nosso dia-a-dia. É esta a conclusão de um estudo do Observatório do Futebol (CIES) que analisa os gastos e as receitas nos cinco principais campeonatos europeus (Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França).

E em Portugal? O CIES não foi tão longe na análise – honra que poderá surgir nos próximos anos, com a subida portuguesa ao quinto lugar do ranking da UEFA –, mas há dados para comparação. O PÚBLICO compilou os gastos e receitas dos três “grandes” nas últimas janelas de transferências e, por cá, ainda não se vê retoma – bem pelo contrário.

Os dados do CIES apontam que houve, nas “big 5”, uma queda de 41% entre os mercados de Verão de 2019 (o último sem covid) e 2020 (o primeiro com covid). Mas isso mudou em 2021, com uma subida de 2%.

Subida curta para se falar em saúde financeira cabalmente retomada, é certo, mas reflexo, no mínimo, de um travão nos efeitos nefastos da pandemia na capacidade de transferir e comprar jogadores.

Mas em Portugal não há efeitos semelhantes à vista, ainda que, no panorama dos três “grandes”, seja necessário separar o Benfica dos demais.

Benfica com efeitos retardados

FC Porto e Sporting tiveram, tal como a restante Europa, uma quebra no investimento e nas receitas no Verão de 2020. Porém, ao contrário do que acontece nas equipas das “big 5”, nenhum destes clubes mostra retoma em 2021.

O FC Porto até gastou um pouco mais, é certo, mas recebeu bastante menos do que tem recebido nos últimos anos (apenas 21,25 milhões de euros entraram nos cofres). No Sporting o cenário não é diferente. Foram “apenas” 12 milhões investidos, menos do que nas últimas temporadas, e 13,5 recebidos, bastante menos do que tem sido habitual.

E nem o negócio de Nuno Mendes permitiu mascarar estes efeitos, bem pelo contrário. Os moldes em que o Sporting negociou o jovem lateral permitem perceber de forma clara que o mercado não está como estava antes da pandemia, quer no prisma dos europeus que compram, quer na óptica dos portugueses que vendem. O PSG não pôde pagar pelo jogador português, oferecendo, para já, apenas uma taxa de empréstimo de sete milhões de euros.

À parte de tudo isto está o Benfica. Se na saúde pública este é um vírus democrático e que não escolhe alvos, no futebol o clube “encarnado” agiu em contraciclo com o resto da Europa.

Os cerca de 45 milhões de euros investidos no último Verão sem covid-19 foram largamente superados pelos quase 100 milhões de euros investidos em 2020, no primeiro Verão com pandemia.

Em 2021, o Benfica tomou, com um ano de atraso, o seu “banho de realidade”: foram 25,50 milhões de euros gastos (muito abaixo dos anos anteriores) e cerca de 50 milhões amealhados (também eles bem abaixo dos anos anteriores).

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O que se passa em 2021?

O mercado de Verão teve, em 2021, contornos incomuns. Foi, por um lado, rico em transferências badaladas – algumas por valores irrisórios –, mas, por outro, parca em investimentos milionários.

Jack Grealish, Romelu Lukaku e Jadon Sancho foram as únicas compras acima de 80 milhões de euros – e todas para clubes da Liga inglesa. E este detalhe atesta como os clubes da Premier League estão num patamar diferente dos demais.

Os investimentos nas três janelas de transferências pós-covid mostram que os clubes ingleses continuam a acumular défice: 1,9 mil milhões de euros. Porquê esta discrepância? Julio Senn, antigo director-geral do Real Madrid com várias décadas de experiência em mercados de futebol, tenta explicar o fenómeno.

“Ali, os clubes foram menos influenciados pela crise económica resultante da pandemia, graças à presença de grandes investidores americanos ou russos – ou mesmo, como no caso de Manchester City, com um estado por detrás deles (…) noutros países, como Espanha, os clubes não têm um grande accionista que ponha dinheiro”, explicou ao El País.

E apontou que, sem esses investimentos, “a grande maioria dos clubes [fora de Inglaterra] precisava de vender jogadores para equilibrar as perdas dos últimos dois anos”.

Como trivialidade, o estudo do CIES aponta que, entre 2012 e 2021, nove dos dez clubes que mais dinheiro movimentaram faziam parte do grupo de “desertores” que quis implementar a Superliga.

Nesse lote de gastadores membros dos dirty dozen” [doze sacanas], como lhes chamou Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, apenas o PSG não estava presente.

Isto permite perceber parte da motivação destes clubes: se são os que mais dinheiro movimentam, querem ser os que mais dinheiro recebem. E dividi-lo com clubes menores não lhes é rentável como seria a Superliga.

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