Jornalista afegã que entrevistou porta-voz dos taliban fugiu de Cabul

Muitos jornalistas da televisão privada Tolo saíram também do país por receio da intimidação dos taliban e grande parte das mulheres jornalistas em Cabul foram forçadas a deixar de trabalhar.

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Beheshta Arghand durante a entrevista com Abdulhaq Hemad, membro da equipa de comunicação dos taliban

A apresentadora da televisão afegã Tolo News Beheshta Arghand fugiu do país menos de duas semanas depois de ter entrevistado um porta-voz dos taliban. “À semelhança de milhões de pessoas, tenho medo dos taliban”, disse Arghand à CNN. A sua decisão e de muitos jornalistas do canal foi tomada numa altura em que são cada vez mais os relatos de intimidação e agressão contra membros da comunicação social, apesar das promessas de abertura do grupo fundamentalista islâmico no que respeita à liberdade de imprensa e aos direitos das mulheres, ainda que no quadro da sharia.

Enquanto existir uma ameaça, a jornalista afegã não volta ao país. Noutra breve entrevista, à BBC, Arghand disse estar “infeliz”, porque “esta geração trabalhou muito por um novo Afeganistão”. Por isso, acrescentou, “se os taliban fizerem o que prometeram”, e a situação melhorar e souber que pode estar em segurança, regressará ao seu país.

Não foi só Beheshta Arghand a deixar a Tolo mas “quase todos” os reconhecidos jornalistas do canal saíram do país, confirmou à CNN o proprietário da emissora afegã, Saad Mohseni. “Temos o duplo desafio de tirar as pessoas [porque se sentem inseguras] e continuar o trabalho”, acrescentou.

Menos mulheres jornalistas

O cenário de desânimo não se limita à Tolo. Segundo um relatório dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), as jornalistas afegãs têm sido forçadas a deixar os seus empregos e foram avisadas para ficar em casa, quebrando a dupla promessa dos taliban sobre a liberdade de imprensa e os direitos das mulheres.

Desde a tomada de poder dos taliban a 15 de Agosto, um inquérito dos RSF e da organização parceira Centro para a Protecção das Mulheres Jornalistas Afegãs (CPAWJ, na sigla inglesa), concluiu que a maioria das mulheres empregadas na comunicação social, incluindo jornalistas, deixou de trabalhar. 

Apesar dos comentários do porta-voz do movimento, Zabihullah Mujahid, que as mulheres poderiam “voltar a trabalhar dentro de dias”, nenhuma medida foi anunciada ou aplicada. A organização acredita que menos de 100 das 700 jornalistas em Cabul continuem a trabalhar e apenas algumas continuam a trabalhar a partir de casa em outras duas províncias afegãs. Outras têm sido atacadas e intimidadas.

As 108 empresas de media em Cabul empregavam 4.940 pessoas em 2020, 1.080 dos quais mulheres, e dessas 700 eram jornalistas. Segundo a RSF, das 510 mulheres que trabalhavam para as oito maiores empresas privadas, apenas 76 – incluindo 39 jornalistas – continuam a trabalhar.

Este cenário não diverge muito da situação noutras províncias, onde quase todos os órgãos de comunicação privados pararam as suas operações à medida que os taliban avançavam na sua ofensiva. Na imprensa pública também surgem relatos de jornalistas que foram barradas de exercer a sua profissão.

“O respeito dos taliban pelo direito fundamental das mulheres, incluindo jornalistas, de trabalhar e de exercer a sua profissão é uma questão fundamental”, disse o secretário-geral dos RSF, Christophe Deloire. Ao silenciar as vozes femininas nos media, os taliban estão em processo de silenciar todas as mulheres do país, sublinhou a RSF.

Não respeitar o seu direito ao trabalho “é um mau presságio” sobre a liderança dos taliban ao mostrar que “não pretendem corresponder às suas promessas de respeitar os direitos das mulheres, na imprensa ou noutro qualquer local”, disse o coordenador do programa para a Ásia do Comité para a Protecção de Jornalistas, Steven Butler.

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