Depois das férias, como voltar a entrar na linha

A alimentação saudável está na moda e há toneladas de informação sobre isso. O problema está em organizarmo-nos para comermos de forma saudável no nosso dia-a-dia.

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engin akyurt/Unsplash

O fim das férias parece-se quase ao final do ano. É uma espécie de ponto de viragem no calendário. Andámos livres, leves e soltos, a aproveitar o Verão, e agora chega a altura de voltar ao trabalho e à rotina. Acabaram-se os gelados e as bolas de Berlim na praia, a balança talvez acuse uns quilinhos a mais e sabemos que precisamos de entrar nos eixos. Tal como na viragem de ano, enchemo-nos de resoluções — “É desta que vou ter uma alimentação saudável” ou “é agora que vou perder peso” — e, antas vezes, estass não saem do papel.

Claro que, para a maioria das pessoas, o problema não está em saber o que comer. A alimentação saudável está na moda e há toneladas de informação sobre isso. O problema está em organizarmo-nos para comermos de forma saudável no nosso dia-a-dia. Essa é a principal dificuldade apontada pelos meus clientes e, por mais que gostasse de afirmar o contrário, não há aqui fórmulas universais que encaixem em todos as pessoas e em todas as casas.

Por isso, resta-me partilhar como cheguei à minha fórmula de sucesso e dar algumas dicas para o ajudar à chegar à sua. Quem sabe não descubra o segredo universal e fique milionário. Vamos então às quatro estratégias de base:

Longe da vista, longe da boca

Se chegou ao fim das férias com aquela sensação que “abusou um bocadinho” e que precisa de desintoxicar o corpo dos excessos, talvez seja uma boa ideia fazer uma limpeza geral e deixar na prateleira do supermercado aqueles produtos que não se encaixam no conceito de alimentação saudável.

Isso quer dizer que não pode haver bolachas, doces, batatas fritas, chocolates ou outras tentações lá por casa? Depende do seu poder de autocontrolo. Eu, por exemplo, prefiro não ter. Faço os meus próprios snacks ou doces saudáveis quando sinto necessidade e deixo as “estragações” para ocasiões especiais, fora de casa.

Claro que por vezes me apetece algo doce e fico desiludida quando olho para a minha despensa e não há nada que possa comer, a não ser um quadrado de chocolate (bem) preto. Mas acabo por pegar numa peça de fruta ou por me distrair a fazer outra coisa e aquela vontade passa. Geralmente, quando temos apetites por alimentos deste género (mais apetecíveis ao palato, como os doces ou os salgados), não é de fome física que falamos, mas de fome emocional. É fácil perceber que não são eles que a vão “matar”.

Despensa 100% saudável

Esta estratégia é o reverso da anterior e é bastante óbvia. Se quero comer de forma saudável, tenho de encher o frigorífico e despensa dos alimentos certos. E que alimentos são esses?

Vegetais frescos e variados

Tente trazer para o prato o máximo de cores possível. Quando faz a sua lista de compras, pense nos vegetais que vai precisar para a semana: vegetais para sopas, saladas de folhas cruas, assar no forno, cozer ou saltear. Faça deles os reis do prato: metade do prato deve estar ocupado por vegetais e, se acompanhar a sua refeição com uma salada de folhas ou com uma sopa, ainda melhor. Descubra os vegetais de que gosta mais, aposte neles, mas não se esqueça de ir variando nas escolhas quando for às compras. Descubra algumas estratégias para aumentar o consumo de vegetais.

Fruta

Vale a mesma regra: quanto mais cor, mais nutrientes e vitaminas diferentes traz para a sua alimentação, e mais benefícios para a sua saúde. Além disso, a fruta é um óptimo snack e ajuda a diminuir os nossos apetites por outros doces menos saudáveis.

Proteína

Carne, peixe, ovos e também de proteína de origem vegetal, como as leguminosas (feijão, grão, lentilhas) ou os produtos de soja (tofu). Se formos às compras para a semana ou mais tempo, pode ser difícil garantir que temos todos os dias carne ou peixe frescos (e lembre-se que, no caso da proteína animal, a porção que comemos não deve ultrapassar a palma da mão). É aqui que entram as leguminosas. São práticas, podem ser cozinhadas em quantidades maiores ou até congeladas.

Cereais

Arroz, massa, aveia, millet, quinoa, bulgur, espelta, cuscuz, trigo-sarraceno são apenas alguns exemplos. Tal como as leguminosas, podem ser cozinhados em quantidades maiores. Dê preferência aos cereais integrais.

Gorduras saudáveis

Abacate, sementes variadas (sésamo, linhaça, girassol, chia, cânhamo), frutos secos, peixes gordos (salmão, atum, cavala), azeite, entre outros. Este tipo de produtos é muito prático para ter em casa, porque tem validade alargada (exceptuando os abacates e peixes sem ser em conserva) e podem ser incorporados em praticamente todas as nossas refeições (ex: tosta de abacate com ovo ao pequeno-almoço, abacate nas saladas ou batidos, frutos secos ou sementes no iogurte ou nas saladas, etc.).

Ervas, temperos, condimentos, especiarias

São elementos essenciais para ter na cozinha, porque são eles que permitem que, mesmo que usemos os mesmos ingredientes, possamos criar pratos novos com sabores diferentes.

Se abrirmos o nosso frigorífico, olharmos para a nossa despensa e encontrarmos todos estes ingredientes, temos meio caminho andado para ter uma alimentação saudável. Todos nós adoramos a conveniência e, se tivermos comida saudável à mão, é mais provável que acabemos a comê-la do que se não a tivermos. Além disso, facilita as nossas decisões, o que é bastante útil, sobretudo naqueles dias em que o trabalho se arrasta e chegamos ao jantar cheios de fome.

Planeamento à sua medida

O planeamento alimentar não tem de ser um “bicho-de-sete-cabeças”, nem temos de nos confinar (já andamos um bocadinho fartos desta palavra, não é?) a um rígido menu de refeições, estilo dieta. Mas para termos uma alimentação saudável é fundamental o planeamento.

Qual? Isso vai depender muito do seu estilo de vida e das suas preferências. Costumo distinguir entre duas formas de planeamento: o “planeamento perfeito” e o “planeamento on-the-go (estes nomes não têm qualquer fundamento científico, foram inventados por mim para ajudar a explicar estes conceitos). O “planeamento perfeito” consiste em planear a sua ementa para a semana toda. Isso implica: saber quantas e que refeições vai fazer durante a semana, ir às compras, escolher um dia (geralmente ao fim-de-semana) para cozinhar tudo ou deixar os ingredientes preparados para fazer durante a semana. Para quem tenha uma rotina bastante regular, pode ser uma boa alternativa.

Infelizmente, para mim e para outras pessoas, não resulta. Além de trabalhar como health coach, sou também assistente de bordo e, portanto, as minhas semanas e horários são tudo menos regulares. Entre noites perdidas, dias fora e os efeitos do “jet-lag”, as poucas vezes que tentei o “planeamento perfeito”, acabei a passar as minhas folgas enfiada no supermercado e na cozinha, sobrou imensa comida (que se estragou) e não consegui ter tempo para fazer mais nada do que considero essencial para ter uma vida saudável.

Por isso, desenvolvi o “planeamento on-the-go”. Este consiste, basicamente, em:

a) Garantir que tenho sempre em casa os alimentos necessários a uma alimentação saudável (ponto 2). Óbvio.

b) Cozinhar sempre a mais para ter de cozinhar menos vezes e usar a imaginação para gerir as “sobras” (ou, em alternativa, procurar receitas para ver como utilizar esses restos). Por exemplo, se sobrou peixe do jantar do dia anterior, que tal aproveitar essas sobras numa omelete com vegetais? Inventar nem sempre corre bem, é certo, mas também quando vamos a um restaurante, nem sempre saímos de lá satisfeitos...

c) Primeira preocupação: sempre os vegetais. Tem de haver sempre vegetais à disposição, sejam folhas verdes para uma salada, um tabuleiro de vegetais para o forno ou vegetais já arranjados no congelador, prontos a cozinhar.

d) Cozinhar dois ou três cereais integrais para servirem de acompanhamentos durante a semana, porque aguentam bem vários dias no frigorífico. Imaginemos que escolhe arroz integral e quinoa. Pode, por exemplo, fazer um caril de vegetais e camarão acompanhado de arroz e depois aproveitar o arroz que sobra para acompanhar carne ou peixe; ou cozinhar quinoa a mais que vai servir tanto para uma bowl com brócolos, grão-de-bico e tomate, como para depois fazer um risotto de quinoa com frango e cogumelos.

e) Ter sempre algumas opções de proteína prontas para quando não temos tempo, como por exemplo: hambúrgueres vegetarianos ou de carne no congelador; ou leguminosas como o grão e o feijão, que podem ser cozidas em maiores quantidades e congeladas em porções (pode também comprar já em lata, preste só atenção à lista de ingredientes). Também tenho sempre na despensa latas de atum, sardinha ou cavala. São óptimas opções de proteína (e fontes de gorduras saudáveis) para completar uma salada ou juntar a vegetais cozinhados.

Se, numa determinada semana, tenho mais tempo disponível, escolho uma ou duas receitas novas para experimentar e adequo a minha lista de compras. Se não, fico-me pelo básico: muitos vegetais (assados, cozidos, crus, grelhados, salteados), proteína, cereais integrais e gorduras saudáveis. 

Descomplicar, descomplicar

As páginas ou blogues sobre alimentação saudável podem ser uma óptima fonte de inspiração, mas também de pressão. Passamos a vida a ver fotos maravilhosas de pratos saudáveis, com um aspecto delicioso, e depois não é isso que temos à nossa frente no prato, na maioria dos dias.

O meu conselho é: “Keep it simple.” Deixe as receitas com infindáveis ingredientes para os dias em que realmente tem tempo (e paciência) para perder algumas horas na cozinha. Não se perca demasiado neste mundo. Há demasiada informação. Se quiser procurar receitas, escolha as mais simples, que se adaptem ao seu estilo de vida, preferências e, claro, aos ingredientes que tem em casa.

As dicas que vou deixar a seguir são todas neste sentido: descomplicar ao máximo e facilitar a nossa vida na cozinha. Há ainda outros factores a ter em conta e outras estratégias que nos ajudam a ter e a manter uma alimentação saudável. Nada disto é um “bicho-de-sete-cabeças” ou apanágio de vidas altamente organizadas. E agora? É desta que as suas resoluções pós-férias vão sair do papel?


Health coach, autora do projecto About Real Food

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