Morreu Lee ‘Scratch’ Perry, lenda da música jamaicana

Produtor visionário e carismático cantor, um dos maiores embaixadores do dub e reggae, desenvolvendo técnicas de gravação inusitadas, que viriam a influenciar muitas outras músicas e criadores. Tinha 85 anos.

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Tinha 85 anos. Era uma figura lendária da música reggae e dub, tendo influenciado parte considerável das sonoridades contemporâneas, do hip-hop ao rock, passando por muitas linguagens da música de dança. Este domingo morreu Lee ‘Scratch’ Perry, num hospital em Lucea, na Jamaica natal. Ainda não são conhecidas as causas da sua morte.

O primeiro-ministro da Jamaica, Andrew Holness, foi uma das primeiras figuras públicas a reagir ao sucedido, enviando no Twitter “condolências à família, amigos e admiradores do lendário produtor e cantor.” Perry era uma figura reverenciada há muitos anos. Extraordinário produtor e carismático cantor, foi talvez o maior embaixador do dub, desenvolvendo técnicas de gravação inusitadas, que viriam a contaminar muitas outras músicas. Ao longo dos anos, praticamente todos os grandes nomes da música jamaicana, do reggae ao dancehall, ou dub, passaram pela sua mesa de montagem.

Se King Tubby é considerado o pioneiro do dub, o produtor mais inovador na utilização das suas técnicas foi Lee “Scratch” Perry. Durante os anos 70, a produção de Lee Perry tornou-se lendária, não só pelo experimentalismo que colocava em cada faixa que produzia mas, inclusivamente, pela quantidade, sendo praticamente impossível fixar a sua discografia completa. Quando Perry, e outros produtores, como Augustus Pablo, começaram a desenvolver as técnicas dub, o estúdio passou, definitivamente, a ser considerado um instrumento de primordial importância. Os instrumentos entravam e saíam de cena como personagens de uma peça dramática, estimulados por efeitos sonoros imprevisíveis, fossem eles vozes fantasmagóricas, baterias inusitadas ou ecos que se reproduziam infinitamente.

Uma nova dimensão tinha sido encontrada. Perry nasceu em Kendal, na Jamaica, em 1936, tendo começado por trabalhar para Coxsonne Dodd, no Studio One, e mais tarde criado a sua própria banda, os Upsetters, que viriam a ter um papel fundamental na carreira dos Wailers, de Bob Marley, tendo inclusivamente gravado alguns dos seus primeiros álbuns para a Island Records. Seria, no entanto, em 1972, que avançaria para a construção do seu próprio estúdio, baptizado de Black Ark, que ficaria terminado em 1974. Nos anos seguintes, Lee Perry transformou-se no mestre da música jamaicana.

Foi nos estúdios Black Ark que se gravaram álbuns decisivos de nomes como Max Romeo, Upsetters,  Junior Murvin ou Congos, bem como centenas de singles marcados pelas pioneiras técnicas de manipulação em estúdio, que se tornaram motivo de admiração de muitos. Paul e Linda McCartney gravaram lá duas canções. E em 2010, numa entrevista, Keith Richards dos Rolling Stones, dizia de Perry: “É o Salvador Dalí da música. O mundo é o seu instrumento.”  

Um contrato de distribuição com a Island colocou-o nas bocas do mundo, mas ele, em mais um acto imprevisível, lançou fogo ao próprio estúdio em 1983, convencido que o espaço estava possuído por espíritos malignos. Apesar dos actos excêntricos, tinha conseguido massificar o dub e as suas técnicas passaram a ser conhecidas pelo mundo. Os Clash, arautos do movimento punk e pós-punk inglês, seriam dos primeiros a interessar-se pela sua arte, fazendo incluir várias versões dub dos seus temas no álbum Sandinista. Em Inglaterra, destino preferencial da emigração jamaicana, o dub viria a explodir nos anos 80, e Perry era um dos principais embaixadores pelo globo, transformando-se na inspiração de inúmeros nomes e grupos, alguns dos quais com quem viria a operar, dos Beastie Boys a Moby, de George Clinton a Mad Professor ou Adrian Sherwood.

Em 2003 viria a ganhar um Grammy pelo álbum Jamaican ET e nunca parou de gravar e actuar pelo mundo. Em Portugal apresentou-se por diversas vezes, do festival Músicas do Mundo de Sines de 2009, a Paredes de Coura em 2002. Existe um documentário sobre a sua vida, The Upsetter, de 2008, com narração do actor Benicio Del Toro. Para além da música, e do visual extravagante, ficaram famosas muitas das tiradas acerca de si próprio. “Sou um extraterrestre de outro mundo. Vivo no espaço – sou apenas um visitante aqui”, costumava afirmar.

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