Assédio moral: a culpa que mora em nós

Apesar de, nos primeiros meses, tudo correr de “vento em popa”, certas situações e comentários (feitos por alguém com cargo superior) começaram a fazer com que ficasse ansiosa por ir trabalhar, mas não por um bom motivo.

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Stephen Caserta/Unsplash

Era o ano de 2019. Acabava de me licenciar. Após três anos de teoria ansiava, finalmente, pelo contacto puro e duro com o jornalismo. Sonhava em ir para o terreno, trocar opiniões com colegas, contar histórias nunca antes contadas e “mudar o mundo” através das palavras, da imagem ou da voz: aquilo que (quase) todos os estudantes da área desejam.

Após o estágio curricular, aproximava-se outra etapa: o estágio profissional. Estava sedenta pela independência que a entrada no mercado de trabalho me viria a conferir e de descobrir se o jornalismo seria, realmente, uma parte de mim.

Eis que, passados poucos meses do término da licenciatura e de inúmeros currículos enviados para os demais órgãos de comunicação social do país, tinha sido convocada para uma entrevista.

Umas semanas depois, deixava a minha terra natal, mudava-me para uma cidade desconhecida e levava, na bagagem, fome de viver. Tudo corria bem, a possibilidade de construir carreira fazendo o que mais gostava não parecia algo utópico e o futuro na empresa parecia promissor. Mas, tal como diz o ditado, nem tudo o que parece é.

Apesar de, nos primeiros meses, tudo correr de “vento em popa”, certas situações e comentários (feitos por alguém com cargo superior) começaram a fazer com que ficasse ansiosa por ir trabalhar, mas não por um bom motivo. Todos os passos que dava eram pensados. Os meus comportamentos deixavam de ser naturais. Sentia-me controlada ou, pior, sufocada. A sensação traduzia-se também na vida privada, transformando a ansiedade numa presença assídua em todos os momentos do meu dia.

Ia aguentando. Era como um exercício de automutilação porque, afinal, foi a vida que escolhi e, além disso, tinha medo de não encontrar outro emprego na minha área. Cheguei até a culpar-me por isso. Pensei que fosse algo normal, que o problema era meu e que, apesar de me empenhar, não tinha perfil para a profissão. Deixei de acreditar em mim e nas minhas capacidades enquanto jornalista. Todo o estudo e dinheiro gasto em propinas tinha ido por água abaixo. Assolavam-me pensamentos como “serão todas as redacções assim?”, “é deste modo que funciona o mercado de trabalho?” ou “ser jornalista é isto?”. Confesso que até tinha ponderado em desistir da profissão por pensar não ser boa o suficiente. Um balde de água fria no início da carreira.

Optei por desistir do emprego, meio que a medo. Não queria dar parte fraca, nem acreditar que estava a sofrer de assédio moral no primeiro contacto (a sério) com o mercado de trabalho.

Voltei a enviar currículos todos os dias, enquanto me questionava se tinha tomado a opção correcta. Candidatava-me a todas as vagas de emprego, algumas totalmente alheias à minha área.

Finalmente, uma resposta positiva. Outra oportunidade no mundo do jornalismo. Gostaram do meu portefólio e queriam marcar uma entrevista. Contrataram-me. Continuo ansiosa por vir trabalhar mas, desta vez, por um bom motivo.

Esta é a realidade de muitos portugueses, em pleno século XXI. Quantos serão os trabalhadores que se sujeitam a tal situação por medo de perder o emprego? Ou faltar comida aos filhos? Infelizmente, o assédio é real e pode tomar diversas formas.

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