Tantas injustiças implicam tantos combates

Que injustiças nos afligem mais? Quais são aquelas disparidades que consideramos mais crónicas e nos retiram uma maior margem de liberdade de acção? Hoje assinala-se o Dia Internacional de Combate à Injustiça

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Clay Banks/Unsplash

Falar ou escrever sobre injustiças é como saciarmo-nos com o “pão nosso de cada dia”. Torna-se quase indistinta uma abordagem panorâmica deste tema num mundo em que, como se diz amiúde, as desigualdades estão a tornar-se mais intensas (“os ricos tornam-se mais ricos e os pobres mais pobres”). E é por isso que o Dia Internacional de Combate à Injustiça, celebrado neste 23 de Agosto, passa despercebido a muitas pessoas.

Gostaria que este ano isso não acontecesse e é por isso que escrevo este texto. Que injustiças nos afligem mais? Quais são aquelas disparidades que consideramos mais crónicas e nos retiram uma maior margem de liberdade de acção? Muitas pessoas dirão que são as económicas. Afinal, elas sempre existiram, seja na forma de desiguais trocas directas de recursos, seja nas dissemelhanças de rendimento a que actualmente assistimos entre indivíduos, empresas e países – e não se prevê que desapareçam, pelo que a atitude mais realista a ter é confiar em compromissos que trabalhem para a sua atenuação.

A propósito desta dimensão mais financeira da injustiça, cito o economista francês Thomas Piketty e uma conclusão deveras interessante que assinalou na sua obra O Capital no Século XXI: sem uma intervenção política adequada, os mecanismos económicos promovem às/aos mais abastadas/os uma concentração progressiva de capital que, aliando-se às heranças, ultrapassam qualquer poupança acumulada ao longo de uma vida por um/a trabalhador/a de rendimento médio ou baixo. Não será este um dado relevante da dinâmica de um mundo em que urgem reflexões mais aprofundadas acerca das injustiças?

Mas no que foi exposto anteriormente conseguimos também observar a força da política e das desigualdades que ela gera ou contra as quais pode pelejar, muitas vezes ligando-se a uma (in)justiça cultural. Veja-se o actualíssimo caso do Afeganistão, onde milhares de pessoas sofrem às mãos da tomada de poder de uma milícia terrorista. Com isto, direitos à educação, à saúde, à arte, ao desporto ou ao lazer foram retirados de muitas mulheres e homens, edificando-se um atraso civilizacional de pelo menos 20 anos em 10 dias. Tanta violência de género, infantil e étnica justificam um olhar aguçado e uma luta continuada.

E o que dizer das desigualdades territoriais? Os também recentes resultados preliminares dos Censos 2021 em Portugal apontam uma mobilidade do interior para o litoral, o que significa uma perda de população em locais já por si pouco habitados. Quais são as consequências a curto, médio e a longo prazo? Por agora, provavelmente, as mais óbvias: incentivos para que famílias rumem ao interior e constituam aí vida que competem, num nível desigual, com actividades muito mais produtivas nos grandes centros urbanos. Esta relação complexa que temos com o nosso território deixa claramente à vista as injustiças das nossas representações sobre ele e dos tratamentos que lhe damos – mais exemplos podem ser os incêndios florestais, sobretudo no Verão, e o envelhecimento rural que, a cada ano, deixamos acontecer sem medidas de apoio às pessoas de idade avançada e de rejuvenescimento.

Estas são algumas esferas mais gerais das injustiças de onde podem advir ou que se podem articular com tantas outras dimensões. Enquanto sociólogo e estudante de Ciências da Educação, o social é para mim muito importante e a injustiça é não só uma construção social como tem impactos tremendos nas vidas dos sujeitos. Não poderia, ao pretender exercer trabalho educativo, esquecer-me de falar destes fenómenos no contexto de um dia que definimos para celebrar as sucessivas batalhas empreendidas contra eles. Mas seria bom que esta data, apenas por existir num mês de férias, não saísse do pensamento, antes transformando-se num momento de ponderação societal e de preparação de cada ano na defesa e na promoção da igualdade

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