Vinte anos após o 11 de setembro, a “reconquista”

Depois do Vietname e da Coreia, depois das guerras coloniais, temos que somar agora mais um revés na tentativa utópica de civilizar o mundo mediante a nossa imagem.

O Afeganistão encerra no seu drama a demonstração da incapacidade do Ocidente em compreender o mundo que o rodeia. A 11 de setembro próximo passarão vinte anos sobre os ataques às Torres Gémeas em Nova Iorque e, pouco depois, sobre a invasão do Afeganistão sob a justificação da responsabilidade nesses atentados.

Nem tudo voltou atrás com a conquista relâmpago que nos últimos dias os taliban efetuaram. Mas, vinte anos depois, todo o esforço de guerra que se desenvolveu após esses atentados parece estar na estaca zero ou, pior, muito atrás com todo o Médio Oriente ainda em busca de uma estabilização onde as intervenções militares europeias e norte americanas parecem ter tido um papel altamente questionável.

Para estes vinte anos de História, a súmula ficará resumida a algumas constatações fáceis de enumerar: a incapacidade de criar soluções de governo locais duradouros; a incapacidade em compreender as culturas locais; o exagero no esforço militar, apenas justificado através do peso do negócio das armas; a incapacidade em organizar a saída das tropas; a cegueira face ao drama humanitário que nunca abandonou o país.

A esta sistematização, há que ainda juntar o caricato episódio de muitos países europeus estarem a deportar para o Afeganistão cidadãos afegãos, especialmente quando nas últimas semanas já se percebia o desfecho que se aproximava – há menos de uma semana, ministros do Interior de seis civilizados países, Alemanha, Bélgica, Áustria, Países Baixos, Dinamarca e Grécia indicavam à Comissão Europeia que as deportações deveriam continuar, sob pena de se dar “um sinal errado”: afinal, o sinal certo era enviar seres humanos para uma possível morte.

Depois do Vietname e da Coreia, depois das guerras coloniais, temos que somar agora mais um revés na tentativa utópica de civilizar o mundo mediante a nossa imagem. Ingratidão dos povos que não aceitam esse desígnio civilizador, incapacidade nossa, ou demonstração do erro que a ideia já continha em si desde que nasceu?

As narrativas da História ficam agora em aberto até que o devir lhe venha dar feição que nos ajude a catalogar o desfecho. O que farão os taliban em relação às populações que, apesar de tudo, nos últimos vinte anos conseguiram alguma melhoria de vida, nomeadamente as raparigas e mulheres que viram mudanças na sua condição? O que farão em relação às minorias religiosas? O que farão em relação à elite cultural afegã que trabalhou para as tropas e autoridades ocidentais, como tradutores, por exemplo? Irão cimentar a sua economia na rápida riqueza da papoila, inundando a Europa de estupefacientes? E, por fim, o que farão no quadro internacional de apoio ao terrorismo?

É verdade, vinte anos depois, é quase como se nada tivesse acontecido, como se a realidade tivesse sido um sonho. Usando uma palavra que nos diz culturalmente muito, para parte significativa dos afegãos, por estes dias deu-se a “reconquista” que coloca na sua legitimidade o poder nas mãos dos taliban. Afinal, o território nunca tinha chegado a estar totalmente pacificado, ou não teríamos os largos grupos de fugitivos, de refugiados a que ainda há poucos dias negávamos o asilo.

Tudo voltou ao que era, esperando-se o evoluir dos acontecimentos que, inevitavelmente, nos irão obrigar a agir. Possivelmente, mas uma vez, agiremos mal, mal aconselhados, nada conhecedores do terreno e das culturas, incapazes de perceber as idiossincrasias, desproporcionais em termos de armamento e, por fim, ineficazes na organização do que a guerra destruir.

O autor escreve o segundo o novo acordo ortográfico

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