“Receamos que se torne um deserto”: as florestas do Iémen são as novas vítimas da guerra

Com o aumento da procura por madeira devido à escassez de combustível, há agora novas preocupações relacionadas com a crise humanitária. Mas a área florestal é cada vez mais escassa: “Temos medo que o país se torne num deserto. E isso já está a acontecer… já não se vêem as árvores que costumavam cobrir as montanhas.”

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Reuters/KHALED ABDULLAH
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Ali al-Emadi, lenhador do Iémen, passa horas a deitar abaixo uma acácia com um machado, enquanto o seu sobrinho de 12 anos o ajuda a separar troncos.

Num país assolado pela guerra, Emadi, que vive na região do norte al-Mahweet, tornou-se madeireiro. O colapso económico acabou com a quinta e com o seu emprego na construção, que o levava a viajar pelo país inteiro.

Mas com o aumento da procura por madeira devido à escassez de combustível, há agora novas preocupações relacionadas com a crise humanitária (milhões estão a passar fome), o que tem vindo a agravar o risco de desflorestação — ameaçando tanto o ambiente no Iémen como qualquer esperança de uma vida longa para pessoas como Emadi.

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Emadi e o sobrinho. Reuters/KHALED ABDULLAH

“Os donos das padarias usam madeira e pedras para aquecer os fornos. Dantes, utilizavam gás, mas agora há apenas madeira”, diz Emadi, pai de sete. “Se houver muita quantidade de madeira disponível, conseguimos viver, graças a Deus. Mas hoje em dia as árvores são poucas. Se conseguir alguma coisa, conseguimos comer. Pelo menos vivemos ou morremos juntos.”

Mais de seis anos de guerra entre o Governo, apoiado por uma coligação liderada por sauditas, e o movimento houthi, alinhado com o Irão, resultaram na morte de dezenas de milhares de pessoas e deixaram 80% da população do Iémen dependentes de ajuda.

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Uma rapariga enche bidões com água. Reuters/KHALED ABDULLAH
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Um lenhador tenta cortar um ramo. Reuters/KHALED ABDULLAH
Emadi almoça com a família. Reuters/KHALED ABDULLAH
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A escassez de combustível devido ao bloqueio feito nas áreas controladas pelos houthis, além do acesso limitado ao porto principal de Hodeidah, levaram os negócios e as famílias a trocar o combustível e gás por madeira. A aliança diz que o bloqueio é necessário para controlar o tráfico de armas.

Cerca de 886 mil árvores são abatidas anualmente para alimentar padarias e restaurantes apenas em Saná, diz Abdullah Abul-Futuh, director das reservas naturais e de biodiversidade na Autoridade de Protecção do Ambiente do Iémen, dirigida pelas autoridades houthis.

Cerca de cinco milhões de árvores foram cortadas nos últimos três anos no norte do país, afirma. “Isso é o equivalente a 213 quilómetros quadrados de floresta, sendo que apenas 3,3% da área total do Iémen está classificada como floresta.” A instituição não forneceu dados comparativos, justificando que este era um fenómeno recente.

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O lenhador Sulaiman Jubran a rezar. Reuters/KHALED ABDULLAH
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Depois de se ter descoberto gás na região do Marib, nos anos 80, houve uma limitação à desflorestação em áreas remotas, mas a guerra tem vindo a asfixiar a produção de energia, criando uma forte dependência nas importações, inicialmente, e agora em madeira, normalmente mais utilizada para construir casas.

O Iémen tem poucas florestas, mas uma relativamente rica variedade de flora na região deserta da Península Arábica. Em al-Mahweet, diversos tipos de acácias, cedros e abetos estão a desaparecer. Lenhadores que têm possibilidades compram uma acácia a donos de terras, por um valor equivalente a 100 dólares, e posteriormente vendem troncos a comerciantes que os enviam para as cidades.

Um camião de cinco toneladas de troncos vale entre a 300 e 700 dólares em Saná, dependendo da madeira e da distância do transporte. “A procura depende do número de navios que chegam ao porto de Hodeidah. Por estes dias, tem sido muito alta”, diz o madeireiro Sulaiman Jubran, que leva a vida a vender madeira a comerciantes.

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Um vendedor de madeira à espera de clientes. Reuters/KHALED ABDULLAH
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“Temos medo que o país se torne num deserto. E isso já está a acontecer… já não se vêem as árvores que costumavam cobrir as montanhas”, lamenta. As florestas têm, na maioria, donos, mas as famílias pobres costumavam ter autorização para pegar em madeira gratuitamente, desde que apenas cortassem ramos e deixassem ficar os troncos para permitir a regeneração. “Agora, arrancámo-los com enxadas… já não há nada”, refere Emadi.