Indústria audiovisual em Portugal perde no mínimo 200 milhões de euros por ano com a pirataria

Consultora britânica MUSO reuniu dados que demonstram que, no ano passado, se registaram em Portugal mais 55 milhões de visitas a “websites ilegais”, na sequência do confinamento.

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Kacper Pempel

A indústria audiovisual em Portugal “perde, no mínimo, 200 milhões” de euros por ano com a pirataria, afirma, em entrevista à Lusa, o director-geral da Fevip - Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais, António Paulo Santos.

De acordo com o responsável, os números estimados são por baixo, sendo certo que daquele montante o Estado perde o IVA e o IRC sobre os royalties (direitos).

António Paulo Santos, que também é presidente da Mapinet (Movimento Cívico Anti Pirataria na Internet), cita um trabalho da consultora britânica MUSO, que demonstra que em Portugal, no ano passado, se registaram mais 55 milhões de visitas a “websites ilegais”, na sequência do confinamento.

“São números perfeitamente arrasadores” e que “representam uma subida de 47% em relação a filmes, por exemplo, e 28% em relação a séries e programas de televisão, estando aqui no meio disto também o streaming, o futebol”, que é algo que “tem efeitos muito graves naquilo que é a normal exploração das operadoras que compram os direitos das transmissões desportivas e que têm reflexos enormes”, sublinha.

Actualmente, “com esta actividade e com este crescimento da pirataria, os titulares de direitos, os produtores e os autores, são fortemente lesados, mas também são lesadas as próprias televisões e os operadores de cabo”. Isto porque, explica António Paulo Santos, a pirataria também usa a IPTV e muitos julgam estar a adquirir um serviço perfeitamente legítimo, mas a verdade é que adquirem “uma caixinha” que dá acesso, de forma ilegal, a dois mil canais de todas as televisões, exemplifica.

“Temos acesso a vídeos, a filmes, a tudo e isso é pirataria”, sublinha, “pirataria que, pela forte massificação, tem estado a prejudicar fortemente as próprias operadoras de cabo”, onde também se inclui a Sport TV e a Eleven. Serão “mais de 400 mil utilizadores deste tipo de pirataria”, números por baixo, insiste o director-geral da Fevip.

De acordo com António Paulo Santos, tudo isto tem graves consequências nos conteúdos de desporto e de cultura em geral porque, ao serem pirateados, vende-se menos publicidade e com menos publicidade há menos dinheiro para investir na criação e na produção. Trata-se de um efeito “bola de neve” que também tem impacto no emprego nas indústrias culturais e na receita fiscal.

Neste momento, detalha, os utilizadores de pirataria - utilizações abusivas por não serem autorizadas pelos titulares de direitos - pertencem essencialmente às classes média e média alta. Nalguns casos a pirataria é realizada para garantir o acesso a novidades ainda não disponíveis no mercado do utilizador, noutros porque quem a ela recorre “tem uma atitude de desrespeito pela propriedade intelectual clara, esquecendo-se de que com aquele tipo de atitude amanhã pode estar a prejudicar o emprego de um familiar”. António Paulo Santos lembra que “não é só quem trabalha nos filmes, não é só quem trabalha nas televisões e nas agências de publicidade, é toda uma panóplia de gente que está nisto, e quando falo em ética social é exactamente esta consciência que as pessoas devem ter”.

Garante o responsável que há muitas pessoas que não consideram este crime censurável: “[Todos] têm de perceber de uma vez por todas que isto é crime” e que a propriedade intelectual tem de ser protegida, assim como todo o ecossistema que nela se baseia legalmente.

António Paulo Santos sublinha ainda que é possível assinar um canal de filmes por sete euros por mês e ver uma “catrefada de filmes e séries”, pelo que “hoje já não é uma questão de preço, já está democratizado”.

Ao contrário do que se pensa, acentua, “o crime de pirataria tem muitas vítimas”. E dá a imprensa como exemplo: “Os jornalistas vão deixar de escrever, cada vez mais vamos deixar de ter qualidade também na própria informação porque se tem de apostar em coisas baratas. E assim caímos naquilo que se passa nas redes sociais, nas fakes news.”

Os filmes e as séries são os conteúdos mais pirateados em Portugal, seguidos do futebol, de acordo com o responsável.

Este tipo de pirataria envolve vários crimes, desde o acesso ilegítimo a sistemas informáticos - como o de uma operadora de cabo, para chegar ao seu sinal e o dar a outros -, ao da fraude fiscal, passando pelos da usurpação e do branqueamento de capitais, entre outros.

“Tem sido o meu objectivo de vida combater a pirataria e, se for publicada a lei 706 [que está já no Parlamento], penso que o atingi”, diz António Paulo Santos, garantindo que o diploma contém “mecanismos eficientes e céleres no combate à pirataria”.

A lei que gostaria de ver aprovada a seguir às férias permite, entre outras coisas, bloquear imediatamente a pirataria através dos IP (Internet Protocol).

As indústrias culturais representam cerca de 3% do produto interno bruto (PIB).

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