Se Messi vier para Portugal já pode tirar o cartão do cidadão no Alandroal

Um país que não é capaz de assegurar este mínimo dos mínimos não cativa os seus cidadãos, antes lhes causa raiva face à impotência de obter documentos absolutamente indispensáveis em pleno século vinte e um.

Portugal deixou há cerca de um mês e meio a Presidência da União Europeia, a União mais avançada do planeta, diz-se.

No próximo mês de novembro, Lisboa vai ser capital do Web Summit. São aguardadas mil comunicações e participarão mil duzentas e cinquenta start-ups. No solo de Marte máquinas estadunidenses e chinesas escabulham o solo daquele planeta. Os multibilionários da Terra dão passeios aeronáuticos fora da gravidade e voltam.

No Alandroal, na Conservatória do Registo Civil, enquanto aguardava pela emissão de certidões de óbito e nascimento que não podiam ser obtidas online, um casal e dois filhos esbaforidos aguardavam a sua vez para tratar do cartão de cidadão. Tinham saído de Lisboa muito cedo para chegar a tempo de tratar dos cartões, pois em Lisboa não havia vaga em qualquer conservatória.

E como também precisavam de obter os passaportes dos filhos iam de escantilhão do Alandroal para o Entroncamento para tratar dos respetivos documentos, embora morassem em Lisboa. Percorreram mais de duzentos quilómetros e continuariam a volta a meio Portugal para o Entroncamento, mais cerca de cento e oitenta quilómetros, e regresso a Lisboa mais cento e vinte.

Enquanto os robôs escavavam o solo de Marte, este casal gastou doze horas porque em todas as Conservatórias em redor de Lisboa até um raio de mais de cem quilómetros não aceitavam o encargo. A mim já me sucedera com o pedido do registo criminal no ano passado. Impossível obtê-lo em tempo útil. Consegui-o no Tribunal de Redondo a cento e oitenta quilómetros de Lisboa.

Os governos de Portugal deviam ter mais humildade e em vez de proclamar grandes avanços de modernidade serem capazes do mínimo dos mínimos – assegurar aos cidadãos a obtenção e renovação do cartão de cidadão. A causa desta situação tem a ver com a míngua imposta à função pública impedindo a entrada de novos funcionários para substituir os que saem.

Um país que não é capaz de assegurar este mínimo dos mínimos não cativa os seus cidadãos, antes lhes causa raiva face à impotência de obter documentos absolutamente indispensáveis em pleno século vinte e um.

Como o país fugiu para o litoral, os serviços tendo menos funcionários implodem e não é tida em conta a nova situação. Há nesta realidade algo de doloroso. Só que essa realidade impõe que se não desista e em vez de os cidadãos se atirarem aos seus compatriotas dos serviços, deviam com toda a prontidão exigir o cumprimento dos deveres do Estado.

Será que a tal bazuca contempla o reforço destes serviços para que os meios disponíveis sejam bem empregues e respondam a necessidades tão prementes como esta ou Bruxelas não deixa porque segundo a sua bitola ainda há funcionários públicos a mais?

No Cosmos, em Marte, máquinas comandadas da Terra prosseguem as suas pesquisas. Lisboa incapaz de renovar cartões de cidadão vai receber o Web Summit. Finalmente é conhecido o destino de Messi e os media respiraram de alívio, não fosse ele ficar sem cartão de cidadão.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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