Tudo parou por Luis Scola

Na terça-feira, a selecção argentina de basquetebol disse adeus aos Jogos Olímpicos, mas isso, por muito que lhes tenha doído, tornou-se secundário. Luis Scola, o grande capitão, também disse adeus em Tóquio.

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Em Tóquio, Scola saiu de campo com a bola debaixo do braço Reuters/BRIAN SNYDER

Quando se leva “don’t cry for me, Argentina” para um plano literal, desconsidera-se aquele momento em que todos os argentinos têm direito a chorar à volta do desporto. Seja porque morreu Diego Maradona, seja porque o país nunca mais torcerá por Luis Scola num jogo internacional.

Nesta terça-feira, em Tóquio, a selecção argentina disse adeus ao torneio de basquetebol dos Jogos Olímpicos, mas isso, por muito que lhes tenha doído, tornou-se secundário. Luis Scola, basquetebolista argentino, também disse adeus em Tóquio. E esse era o adeus mais relevante daquela noite em que o jogo parou a 51 segundos do final, já com o marcador resolvido.

Em plenos Jogos Olímpicos, tudo parou por Scola, que recebeu aplausos de colegas, adversários, árbitros, jornalistas e demais presentes em Tóquio, antes de sair do campo, sozinho, de bola debaixo do braço.

Chora Scola e chora a Argentina

O último resistente da geração de ouro do basquetebol argentino não esperava nada daquilo. “Apanharam-me de guarda em baixo. Não esperava aquilo, porque pensei que acabaria o jogo em campo. Esta homenagem é um presente que levarei para sempre e do qual nunca me esquecerei. Agradeço aos jogadores da Austrália e todos os que lá estavam. Foi, de certa forma, um prémio final – o maior que poderia pedir”.

Aos 41 anos, Scola chorou. Os colegas também. Até a Argentina chorou. Afinal, Luis Scola simbolizou o melhor do espírito olímpico argentino. Esteve em cinco edições dos Jogos e ofereceu talento, suor, liderança, desportivismo e até um histórico título frente aos Estados Unidos, em 2004. Scola deu tudo e, se deu tudo, pode sair em paz.

O poste nunca foi mais talentoso do que Manu Ginóbili e nem sempre foi mais relevante do que Andrés Nocioni, Fabricio Oberto ou Carlos Delfino. Mas tornou-se, ainda assim, um símbolo de culto na Argentina.

Quando Scola começou a jogar basquetebol, a modalidade era secundária no país – e dificilmente algum dia deixará de ser. Mas o país aprendeu a parar pela selecção albiceleste em Mundiais e, sobretudo, em Jogos Olímpicos. Scola esteve em cinco de cada e conquistou um ouro e uma prata nos Jogos (2004 e 2008).

Apesar da carreira longa na NBA, Luis Scola chegou a garantir, ao The Players Tribune, que o triunfo com a Argentina, em Atenas 2004, foi mais importante do que qualquer feito na maior liga de basquetebol do mundo.

Tornou-se um símbolo

Mauricio Codocea, autor da biografia de Scola, contou que o argentino, quando se mudou para a Europa, aos 17 anos, nunca aceitava contratos em que lhe pudessem negar ir à selecção nacional.

O jornalista conta ainda que, em períodos difíceis, Scola chegou a ajudar financeiramente a própria federação argentina de basquetebol, mas também liderou protestos dos jogadores devido a más condições de trabalho na selecção.

A mão de Scola estava sempre lá para auxílio, mas também para ser erguida em protesto. E também foi da mão de Scola que saiu muita magia.

O argentino tinha o chamado “touch”, pela variedade de recursos técnicos aplicados com o superlativo trabalho de pés que define um poste que cresça no basquetebol europeu. Defensivamente, nunca foi atlético e imponente, mas compensava-o com conhecimento do jogo, empenho e agressividade – afinal, trata-se de um argentino. Não era o tipo de jogador que o basquetebol norte-americano mais apreciava, mas Scola conquistou o seu espaço na NBA.

Hoje, Scola já não é o poste da NBA com um cabelo comprido ajeitado atrás das orelhas a cada paragem de jogo. Sai, agora, como um grisalho de cabelo curto, sinal de que os anos passaram por ele. É mau? Nem por isso. Scola continua a jogar na competitiva I Divisão italiana já depois de passar os 40 anos. Em tese, a carreira ainda não vai parar aqui – pára, apenas, na selecção nacional.

“Abandono em paz, porque dei tudo à selecção nacional, que é muito mais do que apenas nomes”, disse o sul-americano, após o Argentina-Austrália. Scola tem razão. A selecção é mais do que nomes e é por isso que Scola se tornou mais do que um basquetebolista.

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