IL quer acabar com o cartão do adepto que começa a ser usado amanhã no campeonato

Partido argumenta que é uma medida “ineficaz”, que discrimina e que “cria castas de adeptos”. O único cartão necessário para entrar num estádio deve ser o de cidadão e o bilhete de jogo.

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Rui Gaudencio

Na véspera do arranque da nova época desportiva, quando se vai começar a usar o cartão do adepto, que permite o acesso às zonas restritas nos estádios para as claques, a Iniciativa Liberal (IL) entregou um projecto de lei na Assembleia da República em que propõe a revogação do cartão. O deputado João Cotrim de Figueiredo argumenta que a experiência internacional provou que o cartão é uma medida “ineficaz”, que “cria castas de adeptos, complica as deslocações a jogos fora, estigmatiza cidadãos através da burocratização do desporto e dificulta a vivência do desporto em família”.

No texto apresentado, a IL propõe acabar com o cartão do adepto, que foi criado por uma lei de 2019 e só regulamentado no ano passado - mas cuja intenção geral já estava latente desde 2004, quando Portugal organizou o Campeonato Europeu de futebol. O partido lembra a contestação de que o cartão tem sido alvo pelos adeptos de dezenas de clubes. “Para a Iniciativa Liberal já há o único cartão de adepto que é necessário. É simples, seguro e todos o têm: é o cartão de cidadão. A par do bilhete de jogo, deve ser o único cartão necessário”, lê-se na explicação do projecto de lei.

Ainda em Junho, o Tribunal Administrativo do Sul recusou a providência cautelar interposta pela Associação Portuguesa de Defesa do Adepto (APDA) para “congelar os efeitos” do cartão do adepto, considerando que não existem indícios de que as restrições que o cartão impõe sejam atentatórias dos direitos, liberdades e garantias dos adeptos, como reclamava a associação. Já em Fevereiro, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa tinha confirmado a legalidade do cartão e da sua regulamentação na sequência de uma intimação da APDA para que o mesmo fosse declarado ilegal.

Para poderem aceder às zonas específicas para as claques em cada estádio, os adeptos têm que ter o cartão do adepto, que tem um custo de 20 euros, é válido por três anos e é emitido pela Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto. Mas para obterem o cartão, os adeptos precisam de fazer um registo na plataforma ePortugal e disponibilizar uma lista de dados pessoais, onde se incluem o nome completo, morada, um documento de identificação, número de contribuinte, email, contacto telefónico, os promotores de espectáculos desportivos que apoia (entre um e três clubes), as claques em que estiver filiado e, se for menor, os nomes dos progenitores.

A informação sobre os clubes que o adepto apoia destina-se a criar um número limite para a aquisição de bilhetes de entrada e de acesso às zonas especiais de adeptos. Depois, boa parte dos dados fornecidos pelos adeptos (identificação completa, clubes e claques que apoia) são partilhados com os clubes para que estes possam definir a dimensão do espaço que devem reservar para estes espectadores. É também partilhada a informação relacionada com eventuais interdições de acesso a recintos desportivos que estejam em vigor para cada adepto.

O cartão serve, por isso, para controlar com mais eficácia o acesso das claques, e em especial de elementos considerados mais conflituosos, a cada um dos estádios.

As alterações à lei sobre o regime jurídico do combate à violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espectáculos desportivos em que foi criado o cartão do adepto foram aprovadas no Parlamento em Julho de 2019 apenas com a abstenção do PCP e do PEV e o voto a favor dos restantes partidos - mas na discussão na especialidade todos os partidos haviam aprovado as medidas de identificação dos adeptos. Além do cartão e da criação da nova autoridade, foram também aprovadas medidas como o aumento dos limites mínimos das coimas, a redução dos prazos processuais e a possibilidade de interdição parcial dos estádios.

Numa resenha histórica que inclui no preâmbulo do projecto de lei, a IL lembra que já em 2004 a lei criava “medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto”, incluindo um registo obrigatório para Grupos Organizados de Adeptos, mas sem que se concretizasse a ideia do cartão de identificação. Em 2009 foi alargado o âmbito, passando a incluir o “combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança”.

Já em 2013, além de se “densificarem competências, obrigações e metodologias”, foi criada a figura do ponto de contacto para a segurança. E, finalmente, em 2019, é criada a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto que concentra e reforça poderes antes dispersos por outros organismos, e é lançado o cartão do adepto.

“É inaceitável haver registos obrigatórios que condicionem as liberdades de circulação, associação e expressão na vida social, para além de redundantes”, critica a IL, que acrescenta opor-se “fortemente à obrigação de alguém se registar numa base de dados do Estado para poder ter acesso a uma determinada zona de um recinto desportivo ou poder aceder às zonas visitantes em recintos de outros clubes”. “Além disso, não se percebe como é possível querer aplicar em Portugal uma medida que se mostrou totalmente ineficaz nos vários países europeus em que foi aplicada nos últimos 15 anos.”

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