Cinema no ensino superior: renovação e relevância

As artes são ainda vistas como parentes pobres da ciência no que diz respeito à construção de conhecimento.

O último ano e meio impôs-nos grandes desafios ao nível da prática pedagógica no ensino superior. A pandemia provocou a obrigatoriedade de evoluirmos rapidamente (e sem preparação) para novos suportes tecnológicos, novas metodologias e novas interações docente-discente. Deu azo a adaptações apressadas, nem sempre bem conseguidas, mas necessárias para dar resposta aos objetivos e competências previstos. Ao nível do ensino artístico, acresceu também a redução drástica do trabalho colaborativo e das experiências e contacto com a realidade que tanto alimentam a necessidade da sua representação pela arte.

As artes são ainda vistas como parentes pobres da ciência no que diz respeito à construção de conhecimento. Num país onde à cultura se impõe constantemente a marginalidade política (ainda que muitas regiões consigam, resilientes, inverter esse desígnio), a perspetiva neoliberal sobre o lugar das artes encontra-lhes utilidade sobretudo pelo retorno financeiro ou pelo reconhecimento obtidos, ou seja, quantificando a sua relevância.

Ainda assim, e olhando para o cinema sob esse prisma, bastaria atentar nos últimos anos e nos diversos prémios conquistados por realizadores portugueses em festivais como a Berlinale, Cannes, Locarno ou Veneza para confirmar essa relevância. No entanto, esta vai bem além desse reconhecimento como principal justificação do seu valor: esse valor é antes consequência de como o cinema participa (ainda) na compreensão e na vivência da contemporaneidade.

Se a pandemia convocou novas regras de distanciamento, maiores cuidados de higienização ou a adaptação de espaços que afetaram a produção e exibição de cinema (obrigando a replanificar, adiar ou cancelar rodagens ou sessões de exibição de filmes), estes mesmos fatores afetaram também os estudantes de cinema no ensino superior. No geral, isso não significou o cancelamento ou adiamento dos projetos desenvolvidos, mas obrigou a que os alunos os realizassem isolados ou esvaziados da possibilidade de trabalhar em grupo (nos melhores casos, puderam trabalhar com grupos muito reduzidos). Isso alimentou uma certa desconfiança já existente sobre o lugar da expressão artística no “mercado” profissional, renovando algumas discussões em torno da “utilidade” do cinema (e de outras artes).

Ao caminharmos agora para uma realidade mais adaptada às novas condições sanitárias e após encontrarmos soluções de recurso para cumprirmos com os objetivos e com as competências desejadas, é altura de sedimentar a renovação de abordagens e fortalecer a relevância do cinema no contexto do ensino superior. De um ponto de vista pessoal, os jovens precisam de finalmente cumprir a necessidade e retomar as capacidades de colaboração, criatividade, expansão e desenvolvimento pessoal e coletivo (campos vitais que a pandemia definhou ao ponto de afetar a sua saúde mental).

O cinema, arte colaborativa por excelência, oferece-se então como experiência pedagógica rica, estimulando um conjunto de metodologias críticas, expressivas e criativas para análise e perspetivação do mundo. Uma escola de cinema que responda aos desafios pedagógicos resultantes do passado recente e da realidade presente terá, necessariamente, de contornar a distância, a virtualidade e o isolamento dos estudantes. Deverá, pelo contrário, convocá-los para espaços comuns de partilha, de diálogo, de presença e de pertença.

O cinema continuará a ser uma arma de crescimento e conhecimento, provocando a negociação e ampliação de horizontes que, sob prismas artísticos, nos envolvem com diferentes realidades pessoais, sociais ou políticas. A atualização da abordagem pedagógica do cinema no ensino superior deve, assim, reforçar a relevância da sua aprendizagem, fomentando novas gerações resilientes, interventivas, inovadoras, capazes de olhar para o mundo e renová-lo nas suas mais diversas formas.


O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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