Académico alemão suspeito de espiar para a China: até onde terá ido a informação que passou?

Actualmente reformado, Klaus L. foi agente dos serviços de informação da Alemanha. Detido em Julho, foi acusado esta semana, assim como a mulher, de passar informação ao regime chinês.

Foto
Klaus L., suspeito de espiar para a China, trabalhou cinco décadas na agência de espionagem alemã Hannibal Hanschke/Reuters

Primeiro suspeitou-se que um académico alemão tinha espiado para a China, depois descobriu-se que o suspeito tinha trabalhado na agência de espionagem da Alemanha, e agora também a sua mulher foi acusada. Identificados apenas pelos nomes próprios e a primeira inicial do apelido, como é regra na Alemanha para proteger a privacidade de suspeitos e acusados, o nome da italiana Klara L., foi acrescentado ao do marido, Klaus L., na acusação apresentada esta segunda-feira a um tribunal da Baviera. 

Klaus L. é acusado de ter espiado para a China usando os contactos que fez durante uma década em que trabalhou numa fundação ligada ao partido conservador da Baviera. Na altura da sua detenção, a televisão pública ARD contava que o suspeito tinha trabalhado também nos serviços de espionagem da Alemanha, durante cinco décadas, antes de se reformar.

Não era claro, dizia ainda a emissora, se a China chegou a saber que Klaus L. tinha sido um espião alemão. A acusação diz que entre meados de 2010 e Novembro de 2019, tanto Klaus como Klara L. passaram regularmente informação a responsáveis dos serviços de espionagem da China durante a preparação de visitas de Estado ou conferências internacionais. Não há indícios de que tivessem sido passadas informações sobre o funcionamento da agência de espionagem alemã, diz a ARD. Mas mesmo apenas a partilha da sua experiência política pode ter ultrapassado um limite, diz a acusação.

Klaus L. relatou ao Serviço Federal de Informações (BND, a agência de espionagem da Alemanha) a tentativa de recrutamento, feita num seminário em Xangai em 2010. A agência de espionagem alemã disse-lhe para continuar os contactos, para perceber que tipo de informação era desejada. Mas Klaus L. deixou entretanto de reportar os contactos a Berlim, mantendo-os. A recompensa parecia incluir viagens e uma vez – apenas uma – terá havido compensação financeira.

Klaus L. trabalhava para a fundação Hanns Seidl, um centro de estudos de Munique próximo da União Social-Cristã, no poder na Baviera e o partido gémeo da União Democrata-Cristã, da chanceler Angela Merkel, mas já estava entretanto reformado. A fundação está a cooperar com as autoridades desde Junho do ano passado, segundo a Reuters, quando investigadores foram a primeira vez a casa do casal para buscas. Cerca de um ano depois a polícia deteve Klaus L., quando o casal se preparava para voar até Macau, onde se suspeita de que iriam encontrar-se com os seus contactos chineses.

O diário Süddeutsche Zeitung notava, na altura da detenção de Klaus L., que os investigadores acreditam que se tratar de um caso em não foi necessário muito dinheiro, mas sim sobretudo “sedução”: Foram-lhe oferecidas viagens, assim como programas paralelos em conferências ou seminários, em que tinha a possibilidade de alargar a sua rede de contactos. Esta rede permitiu-lhe ganhar um estatuto de figura influente.

Este não é o primeiro caso de alguém com ligações fortes a diplomacia ou informação ser suspeito de espiar para a China. No início do ano passado a história de Gerhard Sabathil deixou Bruxelas a temer uma infiltração da China com sucesso na estrutura da União Europeia, numa altura em que eram discutidas as redes 5G, com os EUA a pressionar para que a UE banisse a chinesa Huawei: Sabathil foi diplomata europeu durante 30 anos, passando pela Comissão Europeia e pelo Serviço de Acção Externa, antes de se juntar a uma empresa de lobbying.

Após uma longa investigação, o Ministério Público alemão não recomendou uma acusação. O caso mostra, comentava o diário Politico, “as dificuldades das autoridades ocidentais em distinguir o que são actividades legítimas e trocas académicas do que é espionagem”, enquanto “governos de Washington a Bruxelas temem cada vez mais as ambições e influência crescente de Pequim”.

O especialista em defesa Michael Shoebridge, do Instituto Australiano de Política Estratégica em Canberra, e antigo espião, comentou ao Washington Post a propósito do caso de Klaus e Klara L. que a actividade de recrutamento da espionagem chinesa está dificultada pela diminuição drástica de opiniões positivas face ao regime chinês em muitos países democráticos. “Com algumas pessoas ainda funciona dinheiro ou lisonja, mas está sem dúvida a tornar-se mais difícil.”

Sugerir correcção
Ler 13 comentários