O vazio de Marcelo

Apesar de muitas fragilidades deste governo, o vazio que há à direita tem a ver com o próprio vacuidade desse campo. A direita não apresenta ideias em que os portugueses se revejam. Esse é o seu drama e não do país. Marcelo sofre de dores por tal vazio, mas isso deve-se ao facto de passar de PR a comentador.

Marcelo anda muito preocupado com o vazio político. Quer uma alternativa ao atual governo. E como não a vê, anda à procura.

As funções presidenciais não têm nada de vazio. Estão elencadas e são fundamentalmente aquelas que constam nos artigos 133 a 135 da CRP. Os legisladores constituintes encheram as funções, não resultando qualquer encargo que passe por andar a preencher o que está vazio.

Neste tempo doloroso causado por uma pandemia que teima em manter-se, é uma agonia o prato vazio de dezenas de milhar de portugueses. É um duplo vazio, as ausências de comida e da dignidade.

Vazio está o sonho de centenas de milhar de portugueses de terem uma vida decente para si e a sua família. Vazio está ainda o sentido de vida, pois aumentaram em muito os pobres e os que já eram muitíssimo ricos ficaram ainda mais. A crise que o país vive lançou muitos milhares no desespero e umas poucas dezenas a encherem-se de riqueza, à custa dos que trabalham duro ou dos próprios pobres.

Mais vazio está o país de gente que nas aldeias, vilas e cidades a partir de uns trinta ou quarenta quilómetros do litoral, pois os seus naturais não têm onde poder ganhar a vida e fogem da terra onde nasceram, sem que ninguém apresente uma mão de propostas para que o esvaziamento cesse. 

Há um vazio abismal de gente na maior parte do território nacional. É um vazio não só no sentido patriótico e estratégico, mas até de solidariedade nacional. O que custaria encontrar um programa mínimo a subscrever por todos os partidos, associações sindicais, patronais e demais interessados? Há alguém que queira o país vazio de gente no interior?

A esperança que vinha dando sentido às novas gerações de poderem viver melhor que a de seus progenitores esvaziou-se. Amargamente a juventude não sabe como vai ser o futuro. O devir está vazio; não só o de encontrar uma profissão digna, mas em boa medida vazia está a esperança de lutar pelo sonho. Alguém é capaz de achar que tem sentido uma vida vazia de um sonho de viver melhor? Verdadeiramente inquietante – este sonho de viver melhor já não cabe na economia, cabe o défice e pouco mais. Já não são precisos economistas, bastam capatazes.

A vida não pode ser uma soma de vazios. Tem de haver a dignidade que a preencha e que faça que todos se sintam esperançados em que o futuro não seja essa soma.

Pois bem, apesar de muitas fragilidades deste governo, o vazio que há à direita tem a ver com o próprio vacuidade desse campo. Que têm a propor? A direita, até ao momento, não apresenta ideias em que os portugueses se revejam. E não se revendo, deixam esses partidos sem o apoio necessário para governarem. Esse é o seu drama e não do país. Marcelo sofre de dores por tal vazio, mas isso deve-se ao facto de passar de PR a comentador.

Passos tinha o empobrecimento e logrou empobrecer os remediados e os pobres. E Rio? Alguém conhece as propostas do PSD? Dentro do próprio PSD fala-se do regresso de Passos. Um certo crescimento da IL e do Chega à sua direita deixa-o como o tolo em cima da ponte, sem rumo. O CDS tenta fazer prova de vida dado o vazio em que caiu com o surgimento da IL e do Chega.

A direita está entalada entre o seu deserto de ideias e o Chega cuja ideia máxima é convocar e gritar contra o que chama de vergonha. Parece haver nos portugueses um grau de imunidade significativa contra esse vazio, e uma certa sabedoria de experiência feita – isto não está bem, mas para pior já basta assim.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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