Nunca uma ginasta brasileira brilhou como Rebeca

Chamar “desilusão” ao desfecho da final do solo, nesta segunda-feira, será hiperbolizar injustamente o que sentirá Rebeca Andrade. Afinal, apesar do quinto lugar no solo, a brasileira é campeã olímpica do salto e vice-campeã do all-around. Nunca uma ginasta brasileira tinha brilhado tanto nuns Jogos.

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Rebeca Andrade sai de Tóquio com duas medalhas olímpicas Reuters/LINDSEY WASSON

A ginástica já não é apenas o pelouro das americanas e das russas. É que saiu de São Paulo a nova campeã olímpica do salto de cavalo, vice-campeã do all-around e quinta classificada do exercício de solo – que não valeu medalha por um pequeno desacerto na recepção de uma rotina.

Nesta segunda-feira, Rebeca Andrade, 22 anos, chegou à final do solo sem Simone Biles em prova e, com ouro (salto) e prata (all-around) já guardados no quarto da aldeia olímpica, levava um capital de confiança tremendo.

Apresentou um exercício com um bom grau de dificuldade e fê-lo, globalmente, com muito acerto: desempenho técnico on point e quase sempre com “cola” nos pés no momento de aterrar no solo – quase sempre.

Faltou manter-se dentro do praticável numa das rotinas e foi esse deslize que lhe roubou as medalhas: sem ele, dado o nível superlativo do restante exercício, Rebeca teria provavelmente superado as rivais do bronze e da prata e até mesmo do ouro – a americana Jade Carey teve pior nota de execução, mas partiu de um nível de dificuldade maior no seu exercício.

Mas chamar “desilusão” ao desfecho da final do solo será hiperbolizar injustamente o que sentirá, neste momento, a ginasta brasileira. Afinal, Rebeca Andrade é campeã olímpica do salto. Nunca uma ginasta brasileira tinha sido medalhada nuns Jogos – e, por extensão, nunca o ouro tinha pertencido ao Brasil.

Rebeca Andrade é, como tantos outros atletas brasileiros, um produto da dedicação e perseverança, mais do que de um contexto favorável.

Não nasceu num “tapete de ouro” e, depois de levada a um treino pela tia, com apenas quatro anos, “obrigou” a mãe, responsável por mais seis filhos, a abdicar de muito para dar ginástica à jovem Rebeca. Em vez de ir de carro para o emprego, Rosa ia a pé e entregava esse dinheiro ao filho Emerson, que levava Rebeca aos treinos.

Mas nem sempre foi assim e, como relata a Folha de São Paulo, houve uma altura em que não deu mais. O esforço financeiro era incomportável e, como a mãe precisava desse dinheiro, Emerson tinha de levar a irmã a pé, numa caminhada de uma hora e meia. Muitas vezes, Rebeca já chegava cansada ao treino.

Um dia, Emerson arranjou uma bicicleta ferrugenta no ferro velho e era dessa forma que transportava Rebeca, que já se destacava na ginástica e saía das saias da mãe e dos irmãos em busca do sonho desportivo.

“E pensar que muitos me criticaram na época, porque logo aos nove anos ela foi morar fora, para se dedicar aos treinos. Diziam ‘você é doida de deixar sua filha ir embora’, mas eu tive a sabedoria e a mente aberta para deixá-la seguir seus sonhos. Eu deixei que ela voasse atrás de um objectivo”, contou a mãe de Rebeca Andrade.

E honra lhe seja feita: foi essa mente aberta de Rosa que deu ao mundo a possibilidade de assistir aos desempenhos olímpicos de Rebeca Andrade, que conquista todos os fãs de ginástica artística: os mais puristas da modalidade impressionam-se pela correcção técnica e pela “cola” que a brasileira tem nos pés, enquanto os fãs da vertente artística recebem a intensidade, o ritmo e a “ginga” da brasileira ao som de “baile de favela” – e até nisso Rebeca “teve olho”, escolhendo uma famosa música funk que lhe permite arrebatar e influenciar as gerações mais jovens.

Não há quem fique indiferente a Rebeca e, hoje, há um epíteto para alterar. Rebeca foi, em tempos, a “Daianinha”, em referência Daiane dos Santos, ginasta brasileira que esteve nos Jogos Olímpicos 2008 e 2012 e que muito a inspirou. Hoje, essa alcunha está ultrapassada. Na melhor das hipóteses, é Daiane quem tem de sujeitar-se a comparações, porque Rebeca já é a melhor brasileira de sempre.

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