Porquê desenhar na praia?

Ver uma folha em branco pode custar no início, mas basta um traço ou uma pincelada para ver o desenho crescer. Depois de perder o medo do vazio, o desenho fica à solta, e nem as mãos mais experientes sabem onde irá parar.

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Depois de um ano imprevisível, chegam finalmente as férias. Mais do que no resto do ano, há tempo para experimentar algo que fará soltar a imaginação mais tarde, até em dias mais ocupados. Refiro-me ao caderno de desenho, para ser aberto entre mergulhos refrescantes e leituras avulsas.

Mas voltemos à pergunta inicial: porquê desenhar na praia, quando há tantos livros para ler? Quando é tão fácil ceder ao peso do calor e adormecer ao sol? Precisamente porque o desenho é um momento de contemplação, mas também faz mover os dedos, depois as mãos, por vezes até o braço e o ombro. É como dançar sobre a folha de papel, e lá deixar uma marca daquele momento.

Naturalmente, o desenho pode ser feito em qualquer superfície. Mas o papel é leve e versátil. E se estiver protegido pela capa do caderno, melhor ainda. Além de resistir à agitação da viagem, as folhas juntas contam uma história. A história das férias, ou uma viagem na imaginação. Para começar a desenhar, escolher talvez um caderno fácil de transportar. Um A5 aberto transforma-se num generoso A4, suficiente para ganhar confiança e ensaiar a postura no caderno, como um músico ensaia no palco. 

Ver uma folha em branco pode custar no início, mas basta um traço ou uma pincelada para ver o desenho crescer. Depois de perder o medo do vazio, o desenho fica à solta, e nem as mãos mais experientes sabem onde irá parar.

É caso para lembrar o habitual “eu não sei desenhar”. As aulas de desenho e os estudos na sala de aula. Mas o desenho nada mais é do que a forma de sensações, emoções e pensamentos. Pode ser tão instintivo como escrever na areia da praia, até que uma onda apague. Pode ser isso mesmo: um acto, um momento de atenção e introspecção, mais do que uma marca. 

O desenho pode, finalmente, ser mostrado aos amigos e à família, ou permanecer no abrigo das folhas que o amparam, de um caderno fechado, pessoal e intransmissível. Mesmo deixado no segredo da intimidade, o desenho vale a pena. Vale pelo momento, em que o olhar, com todos os outros sentidos, é desperto e relaciona dados sensíveis numa nitidez surpreendente. Um momento em que as novas ideias florescem, nascem novos projectos e lançam-se novos planos para o fim da pandemia.

Desenhar na praia é também espaço para a experimentação: fazer colagens, ilustrar a chegada das bolas de berlim em banda desenhada ou aguarelar a linha do horizonte. E, claro, escrever versos, desenhar constelações. Com novas ideias, só a margem das folhas é o limite.

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