"Estaline criou um culto à volta da sua figura e com o funeral presenciamos o clímax dessa histeria, que afectou toda a sociedade soviética. Na verdade, penso que é errado dizer que a URSS era um país 'ateu'. O 'comunismo' das primeiras décadas da era soviética era uma religião e Estaline era deus".

São palavras do cineasta Sergei Loznitsa, que em Funeral de Estado utiliza material de arquivo, filmado por operadores de câmara nos vários cantos da URSS, sobre os rituais do funeral de José Estaline. Morreu a 5 de Março de 1953. A morte foi anunciada na madrugada de 6. Seria sepultado a 9. O filme narra esses quatro dias.

As primeiras cenas do anúncio da morte dão conta da dimensão de um império multiétnico de 22 milhões de Km2. E testemunham a consciência de uma catástrofe: como será a vida sem Estaline? “Estaline morreu e não tornará a viver!”. Por toda a parte, a mesma postura de espanto e insegurança. O filme recolhe centenas de cenas, dos Bálticos à Ucrânia, da Sibéria ao Tajiquistão, do Azerbaijão à Rússia profunda. Era um espaço imperial unificado pelo Guia mas destinado, décadas depois, a desintegrar-se. As imagens estiveram décadas esquecidas nos arquivos.

É um sumptuoso tratado de mise-en-scène, o espectáculo do poder, o espectáculo do cinema, a partir das imagens com que o poder se encenou. O que dota o filme de uma fulgurante harmonia de gestos e rostos do colectivo. É também uma conversa sobre o poder das imagens e sobre a reversibilidade de olhares e discursos.

(Participo neste dossier com Jorge Almeira Fernandes, Luís Miguel Oliveira)

 

 

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Pérfida, cruel, sensual, excêntrica, Silvina Ocampo chega a Portugal quase 30 anos depois da sua morte, com dois livros em simultâneo. Já não há desculpa para não conhecer uma das grandes autoras de língua espanhola. Isabel Lucas explica porquê...

 

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