Marcelo pede ao Governo um discurso “coerente” de transição para o pós-pandemia

Presidente da República está “inclinado” a pedir a fiscalização da constitucionalidade de norma polémica da carta dos direitos digitais.

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Marcelo Rebelo de Sousa assume preocupação com a crise social Nuno Ferreira Santos

Os comentadores da Circulatura do Quadrado mudaram de cenário, da TVI para o Palácio de Belém, mas Marcelo Rebelo de Sousa não deixou o seu papel de Presidente para voltar à pele de comentador. Na TVI24, como convidado do programa desta semana, Marcelo Rebelo de Sousa pediu ao Governo um “novo discurso”, “coerente”, de transição para o pós-pandemia, sublinhou a preocupação com o tecido social e com a “debilidade” da Administração Pública. Mas recusou assumir se o Governo precisa de uma remodelação e voltou a reclamar uma “alternativa forte” na oposição.

Logo nos primeiros quatro minutos, o Presidente da República traçou a sua visão sobre o país. Sem “pressão no SNS” e com a vacinação a “correr muitíssimo bem”, há condições para o Governo abrir caminho, já esta quinta-feira, para um discurso de “pós pandemia”, um “novo discurso que não pode ser o do medo, tem de ser positivo, de esperança, mas que tem de ser acompanhado com consistência das medidas” em que as regras no desporto têm de “jogar” com as de circulação de pessoas. 

Na área social, Marcelo admite que as medidas “tomadas pelo Governo e pelo Parlamento aguentaram o tecido social, mas são provisórias”. Há uma “crise social e um aumento das desigualdades”.

Se o difícil desafio económico que o país enfrenta é a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no plano político, o Presidente dá a receita para a recuperação da crise social. É preciso que o sistema político não conheça situações que levem à “ingovernabilidade” e que “quem está nas oposições, quem ser quer alternativa” não deixe instalar-se “o vazio ou aparecimento de soluções messiânicas ou sebastiânicas”.

Já o Governo não terá “tarefa fácil” na utilização dos fundos europeus. O Presidente assumiu preocupação com a exigente taxa de execução do PRR e lembrou que a administração pública “ficou muito debilitada com a pandemia”. Foi a deixa para assumir que é preciso “ir mais longe” nos recursos humanos como um todo, no investimento da qualificação. “Não escondo que isto implica no sistema político uma capacidade de renovação dos protagonistas políticos e parceiros sociais para desafios mais fortes”, disse.

Mas questionado sobre se devia haver uma remodelação, Marcelo Rebelo de Sousa recusou vestir o papel de comentador, assumindo apenas que o assunto pode, “se for o caso”, ser abordado em privado com o primeiro-ministro. Deixou no ar a ideia de que, com o exercício de funções ao mais alto nível, há problemas que não transparecem. Aliás, o agora Presidente confessa: “Achava-me um comentador muito bem informado, estou a perceber que não sabia 60 ou 70% do que se passava por dentro”.

Também não coube na análise do Presidente a resposta à pergunta sobre se o Governo está cansado. Fica para si. O que volta dizer é que é preciso uma “área de oposição que se afirme como alternativa e que vá ganhando força e aí se evite os vazios como o que surgiu em 2018”, numa alusão aos movimentos inorgânicos que apareceram nessa altura. Mas também é preciso uma “área de poder forte”. 

Inclinado a pedir a fiscalização sucessiva do artigo 6.º”

Depois da intervenção inicial, Marcelo Rebelo de Sousa foi interpelado pelo social-democrata José Pacheco Pereira sobre a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, que entrou em vigor há duas semanas com uma norma (o artigo 6.º) polémica que estabelece mecanismos de avaliação através de selos de qualidade atribuídos à verificação de factos. “Estou inclinado a pedir a Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva do artigo 6.º”, revelou.

Num ou noutro ponto, o Presidente da República deixa cair um reparo – a “telescola foi melhor na primeira encarnação” – sugere a necessidade de um investimento – “é preciso investir nos cuidados primários”, ou defende uma reforma estrutural – “é preciso repensar a segurança social e a capacidade de resposta. Porque o modelo, aprendeu-se, terá de ser outro”.

Sobre a forma como a história vai recordar Otelo Saraiva de Carvalho, o Presidente disse esperar que não seja apenas uma “minoria” que saiba quem é. “Aquilo que vai avultar, para quem não acompanhou [aquele momento histórico] foi o papel no 25 de Abril no sentido estrito”, concluiu.

Depois desta emissão especial, o programa Circulatura do Quadrado (com António Lobo Xavier, Ana Catarina Mendes, e Pacheco Pereira como comentadores residentes) regressa em Setembro.

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