Economia do desastre e falsos amigos

Para Portugal, fica a questão: quem lucra com as áreas que, ano após ano e com o aumento significativo das temperaturas, vão sendo ardidas no nosso país? Que outros desastres serão usados pelo Governo para justificar medidas altamente impopulares entre a população?

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Rui Oliveira

Um argumento comum para a conciliação dos interesses capitalistas das classes não-trabalhadoras dos grandes investimentos financeiros e os interesses de activistas pelo clima é o impacto negativo económico que os desastres causados pelas alterações climáticas terão (por exemplo, efeitos no PIB). No entanto, este argumento não só é falso como também é perigoso: Naomi Klein, no seu livro A Doutrina do Choque: O Auge do Capitalismo do Desastre, mostra como os desastres, quer sejam climáticos, políticos ou económicos, são grandes oportunidades para novos investimentos privados e políticas neoliberais, justificadas ao público de maneira abrupta e insensível por esses mesmos desastres. 

Esta doutrina do choque é originária dos economistas da chamada Escola de Chicago, nomeadamente Milton Friedman. A sua ideologia de neoliberalismo (privatizações, abertura a investimento estrangeiro, baixos impostos, pouca intervenção do estado na economia) teve impactos profundos nos sistemas económicos a nível global. Tendo começado a ser posta em prática na ditadura chilena de Pinochet, a sua teoria económica alastrou-se a praticamente todos os países do mundo, incluindo Portugal. A troika foi também um exemplo do capitalismo de desastre: as dívidas e o saldo económico negativo foram usados como desculpa para por em acção um conjunto de políticas neoliberais que foram absolutamente destrutivas para os direitos da classe trabalhadora e que originaram rupturas no tecido social das quais ainda nem começámos a recuperar.

A destruição de comunidades não é má para o negócio: na verdade, é o status quo que impulsiona a criação de novas oportunidades de investimento num mundo saturado pelo sector financeiro e com um sector produtivo que já há muito tempo que não dá lucro. A destruição do Iraque pela invasão militar dos Estados Unidos originou um complexo industrial de reconstrução avaliado em 200 mil milhões de dólares, constituído apenas por multinacionais estrangeiras. É exactamente o mesmo destino que espera as áreas que serão inevitavelmente destruídas pelas alterações climáticas, quer sejam zonas históricas, florestas autóctones, populações indígenas - as comunidades locais serão substituídas a velocidades astronómicas (tal como aconteceu nas inundações em Nova Orleães durante o furacão Katrina) por medidas neoliberais e investimento estrangeiro, mesmo antes das populações traumatizadas poderem sequer reagir às mudanças que se passam à sua volta. 

Para Portugal, fica a questão: quem lucra com as áreas que, ano após ano e com o aumento significativo das temperaturas, vão sendo ardidas no nosso país? Que outros desastres serão usados pelo Governo para justificar medidas altamente impopulares entre a população? Começamos agora a descobrir que as poucas medidas de ajuda económica do Governo durante a pandemia foram feitas à custa da Segurança Social, não foram bem-sucedidas em evitar despedimentos e puseram vários milhões nos bolsos de accionistas. É preciso atenção e ímpeto para a luta se queremos evitar o futuro ultra capitalista para o qual só falta um desastre para indubitavelmente sermos colectivamente levados - não obstante o Governo em causa, uma vez que tais medidas podem ser impostas por organizações internacionais ou países imperialistas que juram a pés juntos querer o nosso bem-estar. 

Naomi Klein ensina-nos, assim, a ter por garantido que a destruição (climática, bélica, económica, pandémica, etc.) não arrasa os lucros dos capitalistas - multiplica-os. Quando ocorre um desastre, não estamos no mesmo barco: há quem se afogue na tempestade e quem flutue acima dela, na certeza e segurança de lucros sempre crescentes. Esta desigualdade económica - à medida que a destruição avança com as emissões que crescerão para sempre, por fomentarem os desejados desastres - irá aumentar exponencialmente, como tem aumentado nos últimos anos. Podemos apenas imaginar quando será o inevitável ponto de ruptura no qual nos aperceberemos de que a opulência é criminal - pois apenas pode ser conseguida através da completa destruição das culturas, património e vidas.

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