Os portugueses estão a descobrir as ostras

Injustamente considerada como um produto de luxo, a ostra começa, embora a um ritmo lento, a entrar nos hábitos dos portugueses. Excelente notícia, portanto.

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A ostra Crassostreia giga tem mais aceitação no mercado internacional do que a variante portuguesa (Crassostreia angulata), que se apresenta mais rústica e de formato irregular.

Quem escreve sobre o universo dos bivalves vive com uma permanente dúvida: os portugueses são doidos por amêijoa, berbigão, lingueirão e, havendo dinheiro, atiram-se aos percebes como se o mundo acabasse amanhã. No que respeita a ostras, viram a cara para o lado. E porquê? Não há respostas à prova de bala, mas a ideia que temos é que os portugueses as vêm como um produto de luxo e que, por arrasto, requer a companhia de champagne. Claro está que, não fazendo parte dos nossos hábitos alimentares (embora tenhamos história na produção), podemos sempre equacionar as questões da abertura das ostras (é preciso jeito) e certos mitos contra a sua segurança alimentar, mas estamos convencidos de que a ostra é mesmo vítima do preconceito classista. No fundo, só os ricos comeriam ostras. Nada mais errado. 

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Tendo em conta a riqueza do fitoplâncton do Sado, os produtores podem fazer uma ostra em cerca de 1,5 anos. Ou seja, metade do tempo que demora a crescer em França. Ricardo Lopes

Um mercado em crescimento

Há sinais de que as coisas estão a mudar. E bem. Enquanto observávamos a exploração Shellset, no rio Sado, João Silva, detentor da marca Découverte, disse isto: “Nos últimos tempos, o nosso crescimento no mercado interno ronda os 20 por cento ao ano. E estou convencido de que isto é mais ou menos o que se está a passar com outros produtores, do Algarve a Aveiro.” É certo que crescimentos destes num mercado ainda pouco habituado à ostra valem o que valem, mas, no caso da Découverte, poderemos estar a falar em vendas entre 40 e 50 toneladas para o mercado nacional. Sendo uma só empresa, valores destes mereciam chamada de primeira página na imprensa. 

Como se explicam tais crescimentos? Responde João Silva. “Os portugueses começaram, finalmente, a perceber que a ostra é barata (em média vende-se uma ostra num restaurante a 1,50 euros, sendo que o preço de venda ao público ronda os 10 euros o quilo); segundo, a restauração percebeu que a ostra é uma excelente entrada na refeição; terceiro, fala-se cada vez mais do valor nutricional deste bivalve e, por último, os consumidores têm a consciência de que o actual processo de produção dá garantias enormes de qualidade e de segurança alimentar, visto que só se pode vender ostras que passaram por uma depuradora. Logo, livres de todas as possíveis contaminações.” 

De facto, em tempos não muito longínquos, comer ostras só poderia ocorrer em marisqueiras de referência ou restaurantes de luxo. O caso dos miúdos que vendem ostras à pazada no magnífico largo de Cacela Velha, no Algarve, durante o Verão, é, de facto, uma notável excepção. Mas o curioso é que, hoje, podemos ir a Setúbal comer um salmonete grelhado ou mesmo choco frito num restaurante banal e dar com ostras na montra. 

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Aprender com os franceses

João Silva é filho de António José Silva e neto de António Silva Gato. O pai e o avô foram produtores de ostra no início e nos meados do século XX, no Sado. Quando a indústria da construção naval se instalou em força no rio, no início dos anos 1970, os produtos usados na limpeza dos barcos criaram um foco de poluição que destruiu a riqueza de fitoplâncton, o alimento dos bivalves. E lá se foi a cultura da produção de ostra. 

João, que nasceu há 52 anos, andou por Lisboa a estudar gestão de empresas. Por razões diferentes, no início do século XXI os pescadores do Sado começaram a ver que os bancos de ostras naturais estavam a recuperar – sinal de que a despoluição do rio era uma realidade. Assim, saído da universidade, João foi com um amigo a França ver se haveria alguém interessado na chamada ostra portuguesa – a Crassostreia angulata

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A resposta foi negativa, por se tratar de uma ostra muito rústica e de formato bastante irregular. Contudo, observando a forma como os franceses trabalhavam, João Silva e o amigo importaram toda a cultura organizacional de França. A tecnologia de produção e a própria ostra em semente, neste caso de Crassostreia giga

Começou na empresa Exporsado e, hoje, com mais dois sócios, gere os destinos da Shellset, cuja produção se destina à exportação, ao fornecimento de outros operadores nacionais e ao fornecimento da sua própria marca – a Découverte. Depois de devidamente depuradas, as caixas de ostras Découverte seguem para diferentes restaurantes, supermercados ou clientes finais, que podem fazer as encomendas online. Cada caixa com um quilo fica por 10 euros. 

O terroir do Sado

Por ano, a Shellset produz cerca de 80 toneladas, valor que oscila em função de diferentes variáveis (mortalidade, temperaturas da água, mais ou menos fitoplâncton). A actividade tem riscos associados, é melindrosa e exige trabalho manual, mas quando tudo corre bem a rentabilidade é interessante. Tendo em conta a riqueza do fitoplâncton do Sado (regra que se aplica a outras zonas lagunares do país), os produtores podem fazer uma ostra em cerca de 1,5 anos. Metade do tempo que demora a crescer em França. 

À semelhança do que acontece com os vinhos ou os azeites, cada zona lagunar acaba por dar origem a uma ostra de sabor diferente. Se, por exemplo, compararmos a ostra do Sado com uma ostra da ria Formosa, sentimos que a primeira não é tão salgada como a segunda. As ostras do Sado têm fama por apresentarem um equilíbrio entre salinidade, textura e algumas notas mais doces. Na boca, são um shot de mar, mas sem excessos. 


Esta reportagem foi publicada no nº1 da revista Solo.

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