O luto vai por dentro

Nas mortes de Salgueiro Maia e Melo Antunes não houve declaração de luto nacional, recordaram Marcelo e Costa no velório de Otelo Saraiva de Carvalho.

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Foram centenas as pessoas que, a partir do meio da tarde desta terça-feira, fizeram fila à porta da capela da Academia Militar, em Lisboa, para prestar homenagem ao coronel Otelo Saraiva de Carvalho. Antigos camaradas de armas, gente que com Otelo sonhou utopias, tal como ele marcada por decepções e pelo cansaço dos anos, esperaram ordeiramente. As três principais figuras do Estado, Presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, além do ministro da Defesa Nacional, estiveram presentes num simbólico momento de recordação do estratega de Abril. E de reconciliação, que não apaga divergências, não dilui conflitos, mas caminha em frente.

Marcelo chegou a pé, percorrendo o recinto de obras do Paço da Rainha. Teve escassas palmas, mas não evitou a polémica. “Otelo Saraiva de Carvalho foi figura cimeira do 25 de Abril, enquanto comandante operacional. Outros foram importantes, Melo Antunes a pensar, Salgueiro Maia a protagonizar”, acentuou. “Só o Governo pode propor luto nacional, o mesmo não aconteceu com Melo Antunes e Salgueiro Maia”, recordou.

Já ao fim da tarde, chegou o primeiro-ministro António Costa, cuja mãe, Maria Antónia Palla, estava na fila para o adeus a Óscar, o nome de código de quem militarmente dirigiu a Operação Fim de Regime, que conhecera no início dos anos 70 na Guiné. “O Estado tem de ter critérios consistentes e coerentes, o importante não é termos uma polémica, este é o momento de todo o país se reconciliar com o coronel Otelo”, disse. Palavras escutadas quando algumas vozes gritaram “luto nacional”.

“O 25 de Abril teve várias figuras proeminentes, deve manter-se uma coerência e consistência [de posições]”, proclamou. Mais uma vez, a discreta forma como o Estado democrático se despediu de Salgueiro Maia e de Melo Antunes voltou a ser evocada.

“Hoje há o luto de todos os que viveram com ele experiências”, comentara Ferro Rodrigues, recordando que Otelo nunca aceitou a acusação e sentença por envolvimento com os actos terroristas das Forças Populares 25 de Abril que, entre 1980 e 87, fizeram 17 mortes.

Silhueta de cidadãos que esperam na fila para prestar homenagem a Otelo Saraiva de Carvalho Daniel Rocha
Várias centenas de pessoas fizeram fila para prestar homenagem a Otelo no Paço da Rainha em Lisboa Daniel Rocha
Um ex-comando que prestou serviço militar com Otelo Daniel Rocha
Um ex-comando na fila para prestar homenagem no Paço da Rainha em Lisboa Daniel Rocha
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa marcou presença no Velório Daniel Rocha
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa à saída da capela da academia militar Daniel Rocha
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa com o general Garcia dos Santos Daniel Rocha
Catarina Martins líder do Bloco de Esquerda Daniel Rocha
O capitão de Abril Vasco Lourenço cumprimenta o presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues Daniel Rocha
Um cravo na mão de um cidadão que veio prestar homenagem a Otelo Daniel Rocha
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Silhueta de cidadãos que esperam na fila para prestar homenagem a Otelo Saraiva de Carvalho Daniel Rocha

“Hoje Portugal está de luto, lamentavelmente o Presidente da República e o Governo não o entenderam. Otelo Saraiva de Carvalho é um dos libertadores”, considerara Catarina Martins, que, ao lado de Luís Fazenda, numa delegação do Bloco de Esquerda, esperou pela sua vez. Outro deputado, o socialista Sérgio Sousa Pinto, apresentou-se ao controlo de acesso e entrou, de imediato, para a capela.

A polémica do luto nacional teve uma peculiar interpretação por Gomes Mota, de gravata preta, militar de Abril que viveu a Guiné com Otelo. “Luto nacional? É mais importante para quem não o decreta”, disse. Ou seja: o luto vai por dentro de quem o sente.

Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, esteve presente sempre desde o primeiro momento. Outros militares, como o general Garcia dos Santos, o homem das transmissões do 25 de Abril, eram ajudados pela Polícia do Exército a subirem a escadaria. Outros anónimos também se foram apoiando nestes braços de camuflado.

Uma hora antes da abertura oficial da capela, que apenas ocorreu após a visita do Presidente da República, iam-se juntando memórias da guerra, de companheirismos conspirativos com alguma boina vermelha, e populares. Que, nos tempos da Revolução, há 47 anos, tinham outra idade. Mas mantêm o estilo que cultivaram. Iam passando cravos vermelhos de mão em mão, em silêncio. O luto ia por dentro.

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