Pandemia atingiu os bolsos da Igreja Católica aos milhões

Vaticano divulgou pela primeira vez o seu balanço patrimonial anual. O de 2020 mostra uma diminuição de 66,3 milhões de euros em relação ao ano anterior, com a descida das contribuições e do rendimento dos investimentos.

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O Papa Francisco está empenhado na transparência da gestão económica da Igreja VATICAN MEDIA HANDOUT/EPA

A pandemia de covid-19 atingiu fortemente as finanças da Igreja Católica, que viu os seus lucros reduzirem-se em 51 milhões de euros, ao mesmo tempo que as contribuições para a Curia romana desciam para metade, de 41,2 milhões de euros em 2019 para 20,6 milhões de euros no ano fiscal de 2020.

Os números constam do balanço patrimonial da Administração do Património da Santa Sé (APSA), que desde 1967 cuida do património da Igreja Católica e funciona como uma espécie de banco central do Estado do Vaticano. O balanço engloba, além de investimentos financeiros, mais de cinco mil propriedades, a maioria delas em Itália, mas também em França, Suíça e Reino Unido, no valor de 883 milhões de euros. No entanto, apenas 14% das propriedades são arrendadas aos preços de mercado, segundo o balanço, os restantes 86%, na sua maioria arrendados abaixo do preço de mercado, são usados para escritórios da Santa Sé ou para residência de cardeais e funcionários do Vaticano, ainda em funções ou já reformados.

É a primeira vez que a APSA divulga publicamente o balanço patrimonial, decisão que o arcebispo Nunzio Galantino justifica que foi tomada com a “esperança” de ajudar a melhorar a confiança no trabalho da Igreja, segundo o Vatican News. Além do desejo em transformar o dicastério criado pelo Papa Paulo VI de uma “estrutura que oferece sobretudo serviços a pedido” para uma administração que faça a gestão do património herdado adaptando-se a uma “realidade pró-activa”.

O balanço mostra que as actividades da APSA geraram 21,99 milhões de euros no ano fiscal de 2020, quando em 2019 haviam gerado 73,21 milhões de euros. Quanto às suas contribuições para Cúria romana, dos 41,2 milhões de euros de 2019 passou-se para 20,6 milhões, exactamente metade.

“As actividades que todos na APSA estamos a pôr em marcha vão muito para além das graves consequências da crise pandémica”, refere Galantino à Vatican News. “As nossas energias estão apontadas a uma administração credível e fiável, além de eficaz e eficiente, deixando-nos guiar por processos de racionalização, transparência e profissionalismo requeridos também pelo Papa Francisco”, acrescentou.

O desejo de transparência nas finanças do Vaticano exigida pelo Papa Francisco faz sentido depois de anos de gestões obscuras que em 2015 levou investigadores financeiros a suspeitar de lavagem de dinheiro, negociações com informação privilegiada e manipulação de mercado.

“Vimos de uma cultura de segredo, mas aprendemos que a transparência nos assuntos económicos nos protege mais que o segredo”, referiu Juan Antonio Guerrero, que actualmente dirige a Secretaria de Economia do Vaticano.

Uma das propriedades da Igreja, um antigo armazém da Harrods projectado para se transformar em apartamentos de luxo no centro de Londres, está na base do julgamento que vai começar na próxima semana sobre desvio de dinheiro.

A aquisição levada a cabo pelo então secretário de Estado, o cardeal Angelo Becciu, há quase dez anos resultou em grandes perdas para a Igreja. Quando o escândalo rebentou no ano passado, o Papa passou o controlo dos investimentos do secretariado para as mãos da APSA.

Guerrero diz que as medidas entretanto adoptadas pelo Vaticano tornam “muito mais difícil que isso venha a acontecer outra vez”.

O julgamento do antes todo-poderoso cardeal Becciu - um dos poderes na sombra na Igreja Católica, e mais nove pessoas por desvio de dinheiro, lavagem de dinheiro, fraude extorsão e abuso de cargo, relacionados com a propriedade na zona nobre de Londres, - começa esta terça-feira.

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