Manifesto por uma nova políticas de t-shirts

Cada vez menos sentido me faz estar a comunicar, através do meu vestuário, apenas a representação de uma marca. Claro que algumas marcas estavam associadas a um certo estilo e comunicavam atitudes. No entanto, isso tende a ser pouco profundo.

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Cristofer Jeschke/Unsplash

Já usei muitas t-shirts de marca. Agora nem por isso. Deve ser da maturidade, ou não. Mas convém explicar o que quero dizer com isto das marcas nas t-shirts. Já usei muitas t-shirts com marca, em que apenas essa marca as distinguia esteticamente das demais. De notar que não estou a falar da qualidade dos materiais, do corte ou formato da t-shirt. Usava daquelas t-shirts que apenas exibiam uma marca. Isto é fascinante, pois o peso destas marcas é tão forte que pagamos para as publicitar. Do ponto de vista do modelo de negócios é realmente genial chegar a este estágio de fidelização do cliente, onde a única coisa que distingue um produto é a representação gráfica do registo de propriedade, que em si é publicidade ao próprio produto.

Como dizia no início, tenho, gradualmente, deixado de utilizar estas t-shirts. Cada vez menos sentido me faz estar a comunicar, através do meu vestuário, apenas a representação de uma marca. Claro que algumas marcas estavam associadas a um certo estilo e comunicavam atitudes. No entanto, isso tende a ser pouco profundo. Hoje em dia temos muitas outras alternativas. Podemos encontrar t-shirts de qualidade que são afirmações políticas, ideológicas e que comunicam as mais diversas coisas. Vestir algumas destas peças são formas de assumir uma cultura ou subcultura bem definidas. Por vezes, podemos simplesmente querer passar uma ideia ou algo da nossa personalidade através de uma t-shirt.

Por isso deixei-me da política das t-shirts de marca generalista. Prefiro, cada dia que visto uma, assumir posições, usar as t-shirts como forma de comunicação mais personalizada. Acabo por gastar o mesmo, mas são marcas que se ligam à personalidade. Nesta era de auto-configuração dos indivíduos, as t-shirts são formas simples de marcar a individualidade. Mas trata-se de uma atitude diferente da política de feira, daquelas que os políticos invadem para oferecer as suas próprias t-shirts. E oferecem porque há quem as queira, mesmo que sejam para as usar como roupa de trabalho, como pijama ou esfregão. Apesar de tudo, também as pessoas as usam como forma de afirmação política, ainda que de formas extremamente pragmáticas e subversivas.

Ainda assim há quem continue a usar t-shirts carregadas de informação sem conteúdo. Isso, em alternativa, não deixa de ser uma forma de comunicação, de iliteracia pelo uso de letras sem sentido ou de descomprometimento com os significados. Tudo é comunicação, incluindo quando as t-shirts não dizem absolutamente nada e se demarcam somente pela cor, por serem largas, apertadas ou rotas. Se estiverem sujas comunicam o presente e o passado. Se as t-shirts comunicam isto tudo, imaginem então o que comunicam todas as roupas, adereços e transformações que carregamos como segunda pele.

Eu cá vou continuar a procurar t-shirts que me digam algo, evitando aquelas que me querem impor. Só vos posso sugerir que encontrem as vossas, quais as que melhor vos assentam e aquela preferida que um dia gostariam mesmo de usar. A democracia das t-shirts ultrapassa todos os tempos e climas, porque no fundo, lá por baixo de todas as camadas de roupa, costuma haver uma t-shirt, seja ela qual for.

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