Indústria de petróleo e gás pode impedir planeta de cumprir metas de Paris

Trabalho desenvolvido pela World Benchmarking Aliance (WBA) conclui que orçamento de carbono do sector, para impedir um aumento das temperaturas além de 1,5°graus Celsius em relação à época pré-industrial, será “queimado” até 2037.

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Nuno Ferreira Santos

A indústria do petróleo e do gás, sem uma acção imediata e decisiva, vai impedir que o mundo cumpra o cenário de evitar que o aquecimento global vá além dos 1,5 graus Celsius até 2050. A conclusão faz parte de uma análise feita por várias organizações, divulgada esta quinta-feira, segundo a qual as emissões combinadas de 100 companhias petrolíferas e de gás, sem alterações drásticas e urgentes, vão representar quase 80% do orçamento global de carbono.

O orçamento de carbono do sector, para impedir um aumento das temperaturas além de 1,5 graus Celsius em relação à época pré-industrial, será “queimado” até 2037, diz-se também na análise, que os responsáveis dizem ser o estudo mais abrangente do desempenho da indústria do petróleo e do gás.

O trabalho foi desenvolvido pela World Benchmarking Aliance (WBA), uma organização que avalia e classifica o desempenho das empresas mais influentes do mundo nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS), em conjunto com a CDP - Disclosure Insight Action, que gere o sistema mundial de divulgação ambiental para empresas, cidades, Estados e regiões, e com a Agência Francesa para a Transição Ecológica (ADEME).

De acordo com as conclusões do trabalho, a maioria das 100 empresas analisadas diz que precisa de reduzir as emissões, mas nenhuma se comprometeu a parar a exploração. Das 100 empresas, as europeias têm um desempenho relativamente melhor do que as suas congéneres, sendo todas europeias as dez com melhor desempenho em termos climáticos e investimento em tecnologias com baixo teor de carbono.

Galp energia em nono lugar

No quadro das dez empresas com melhor desempenho climático surge em primeiro lugar a Neste, uma empresa petrolífera finlandesa, seguida da francesa Engie e da espanhola Naturgy Energy. A portuguesa Galp Energia surge na lista também, em nono lugar. No fim da lista das 100 empresas, como pior, está a Petroecuador (do Equador).

As organizações responsáveis notam que foi a primeira vez que a indústria foi avaliada em relação a um cenário de 1,5° graus Celsius – o mais ambicioso plano de redução de emissões proposto pelo Acordo de Parisde 2015 – e que foi o primeiro estudo para avaliar as empresas petrolíferas e de gás utilizando o cenário da Agência Internacional de Energia (AIE) de emissões líquidas zero até 2050.

Do estudo conclui-se também que as maiores empresas petrolíferas estatais aumentaram a produção de petróleo ou gás entre 2014 e 2019, e que das 100 apenas 13 têm planos de transição de baixo carbono que se prolongam por pelo menos 20 anos no futuro. Os responsáveis pelo trabalho divulgado esta quinta-feira resumem a situação afirmando que o sector em análise é marcado pela falta de ambição e de acção.

“Metas e estratégias opacas, pouco ambiciosas ou inexistentes dos maiores contribuintes para as alterações climáticas mostram que o sector do petróleo e gás não está a aceitar a sua quota-parte de responsabilidade pelas emissões globais”, acusam. O protocolo internacional de gases com efeito de estufa mais usado (GHG Protocol) estabelece três categorias de emissões: âmbito 1, as emissões directas; âmbito 2, as indirectas derivadas da energia eléctrica que a entidade compra; e âmbito 3, todas outras indirectas, não controladas mas relacionadas com as actividades da organização em causa.

Empresas com emissões superiores a um país inteiro

As emissões de indirectas (âmbito 3) de algumas empresas “são equivalentes às emissões de países inteiros”, diz-se na análise, dando-se um exemplo: as emissões de âmbito 3 da norte-americana ExxonMobil em 2019 foram superiores às do Canadá. E outro exemplo também: no mesmo ano as emissões de âmbito 1, 2 e 3 da Saudi Aramco (Arábia Saudita) eram superiores às emissões combinadas da Alemanha, França, Itália e Espanha.

E neste sector, dizem os responsáveis pela análise há também uma falta global de relatórios climáticos globais e abrangentes, com a maioria das empresas a partilhar apenas dados parciais (âmbitos 1 e 2). E notam que um terço das empresas divulga informações sobre emissões de âmbito 3, sendo uma delas a portuguesa Galp.

Na área da investigação e desenvolvimento há também uma grande diferença entre o que as empresas dizem e fazem. Mais de metade das 100 empresas relatou despesas em novas tecnologias mas só 17 foram precisas. E “preocupantemente” só 12 publicaram informações sobre planos de investimento de capital com baixo teor de carbono até 2024.

“Cada empresa, decisor político e investidor está consciente da necessidade urgente de dar prioridade à descarbonização e transformação energética, mas a sensibilização não conduziu a acções suficientes”, diz, citada no documento Vicky Sins, dirigente da WBA, avisando que as empresas petrolíferas e de gás ou se transformam ou tornam-se redundantes, porque “já não podem alegar ignorância sobre a urgência da mudança”. E Nicolette Bartlett, directora executiva da CDP, acrescenta: “O progresso da indústria do petróleo e do gás a nível mundial é terrivelmente desadequado se quisermos limitar o aquecimento global a 1,5°graus Celsius até 2050”.

Baptiste Perrissin Fabert, da ADEME, também é citado no documento e deixa insiste no aviso: as empresas de petróleo e gás têm menos de uma década para passar radicalmente do lado do problema para o lado da solução.

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