O grande frenesim de intervir na paisagem

Tem havido muito dinheiro, a avaliar pelas dezenas, centenas e mesmo milhares de milhões de euros anunciados para o território e para as florestas ao longo deste período. Todavia, quanto mais dinheiro se anuncia, maior é a necessidade de resgate. Um paradoxo.

E lá vamos nós, mais uma vez. Agora na senda do reordenamento e gestão da paisagem. Vem isto a propósito do novo paradigma governamental, a do Plano de Recuperação da Paisagem, que há dias proporcionou a intervenção pública do primeiro-ministro. Na legislatura anterior, o rumo foi pela “grande reforma da floresta”. 

A estas sendas, há quem lhe chame resgate. De facto, parte significativa do território nacional carece de um considerável resgate, sob pena de termos sequências agravadas de grandes e mega incêndios florestais, do avanço da desertificação, do contínuo êxodo rural (que está longe de estancar no pós-1974), da perda de biodiversidade, de solos e de capacidade de armazenamento de água. 

Se o território necessita de planeamento e ordenamento, será que é desta que lá vamos? Será que a “bazuca” é o elemento-chave para atenuar o agravamento futuro dos incêndios florestais? Antes deste novo paradigma das “áreas integradas de gestão da paisagem”, passámos pelas “áreas de gestão agrupada”, integradas nos vários quadros comunitários de apoio desde 1990, das “zonas de intervenção florestais”, criadas na sequência dos grandes incêndios de 2003, ou das mais recentes “entidades de gestão florestal” e das “unidades de gestão florestal”. Tudo isto com um sector associativo e cooperativo, em geral, muito débil e facilmente condicionado pelo funcionamento do mercado, onde o Estado tem primado pela ausência de regulação. 

Com tantas figuras jurídicas que se têm criado desde os anos 90 do século passado, o facto é que o problema dos incêndios tem assumido cada vez mais destaque, não apenas no período estival, a par da menos visível proliferação de pragas e de doenças. O valor acrescentado bruto e o rendimento da silvicultura mantêm a tendência de contracção. Persiste o êxodo rural, bem como têm aumentado os riscos para a saúde pública e a vida humana. Isto a par da degradação ambiental, assumindo Portugal a segunda posição na União Europeia em perda de áreas naturais e semi-naturais registada desde 1992. 

Curiosamente, tem havido muito dinheiro, a avaliar pelas dezenas, centenas e mesmo milhares de milhões de euros anunciados para o território e para as florestas ao longo deste período. Todavia, quanto mais dinheiro se anuncia, maior é a necessidade de resgate. Um paradoxo. 

Temos tido programas, estratégias, planos, comissões, unidades de missão, “task-forces”, milhentos diplomas publicados em centenas de páginas do Diário da República (se não for já em milhares). De cada vez que se anuncia um, ninguém faz a avaliação do anterior. Ninguém questiona resultados. Persiste o frenesim imposto por novos ideólogos que se acercam do poder. Quando se faz avaliação, mesmo parcial, os resultados são contraproducentes. 

Mas, se a intenção é a do resgaste, a conversa tem de ser outra. Se é para reordenar e gerir o território, não basta envolver o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, ou a Direcção-Geral do Território, ou mesmo o paraquedista Instituto dos Registo e Notariado (com o cadastro simplificado). Há que equacionar o envolvimento de outras áreas da governação, das autarquias (para lá de meros instrumentos de recepção do “peixe”, mas com “canas de pesca”) e das próprias populações e suas estruturas cívicas e empresariais. Há, sobretudo, a necessidade de criar consensos, que possibilitem atenuar a diferença entre os ciclos eleitorais e os ciclos florestais ou de outros usos e ocupações do território. E mesmo esses consensos são de durabilidade duvidosa. Atente-se ao rumo que teve a Lei de Bases da Política Florestal, de 1996, hoje esquartejada. 

Para um resgate efectivo, há que intervir em muitas áreas, tantas que daria muitos outros artigos. Por exemplo: não basta ter planos, com textos redondos e muitas imagens a cores, nem muito dinheiro anunciado; há que ter quem os operacionalize. Neste domínio, se em tempos foi criado o ensino profissional florestal, que providenciava técnicos para apoio de proximidade às populações e a proprietários rurais, hoje essa área de ensino não é considerada prioritária. Todavia, a extensão florestal é elemento-chave para o reordenamento e gestão da paisagem.

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