PS facilita acesso do MP a comunicações privadas. Socialista apela a Marcelo

Vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, José Magalhães, foi desautorizado e apela agora a Marcelo que envie diploma para TC. Alterações, alvo de parecer desfavorável da CNPD, permitem ao Ministério Público mandar apreender comunicações electrónicas, no âmbito de investigações de cibercrime, sem autorização prévia de um juiz.

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Adriano Miranda

PS, PSD, BE e PAN aprovaram esta terça-feira uma proposta do Governo que permite facilitar o acesso do Ministério Público (MP) a comunicações privadas no âmbito de investigações de cibercrime. O deputado socialista e vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, José Magalhães, tinha garantido na segunda-feira ao PÚBLICO que o PS ia pedir a avocação para plenário do artigo 17.º (o polémico artigo que muda o acesso a comunicações privadas), mas tal não foi possível porque a votação foi antecipada de quinta para esta terça-feira, impossibilitando o processo.

O dito artigo consta da proposta de lei que transpõe a directiva europeia “relativa ao combate à fraude e à contrafacção de meios de pagamento que não em numerário” e tem como objectivo “clarificar o modelo de apreensão de correio electrónico e da respectiva validação judicial”, definindo um regime distinto do da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal. Permite ao MP ordenar ou validar a apreensão de comunicação “sem prévio controlo do Juiz de Instrução Criminal”, o que faz com que a passagem dos dados pelas mãos de um juiz aconteça apenas depois de o Ministério Público analisar o respectivo conteúdo. Uma alteração que levou a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) a dar um parecer negativo à proposta por introduzir “restrições adicionais e não fundamentadas aos direitos, liberdades e garantias à inviolabilidade das comunicações e, reflexamente, à protecção de dados pessoais”. 

Já no final de todas as votações no Plenário desta terça-feira, o deputado apercebeu-se que o texto final relativo à proposta de lei fora votado e quis confirmar isso mesmo com a presidente em exercício, a socialista Edite Estrela. O deputado disse que queria ter votado contra o artigo 17.º desse texto (embora nestas votações, sem avocação, não seja possível votar contra um artigo de um diploma), mas Edite Estrela respondeu que este era um pedido extemporâneo. A única solução possível é que o PS volte a fazer neste diploma o que fez com a Carta dos Direitos Humanos na Era Digital: dar entrada de uma proposta de alteração já depois do processo legislativo terminado.

O deputado e vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, José Magalhães, tinha dito na segunda-feira ao PÚBLICO que o PS ia respeitar o parecer da CNPD e chumbar esse artigo, mas a antecipação da votação de quinta-feira para esta terça “impossibilitou a avocação da alteração ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime”, explicou esta terça-feira à tarde. “O que estava articulado, pelos vistos foi desarticulado”, reagiu, apelando agora a que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, envie o diploma para o Tribunal Constitucional.

“Isso deixa ao critério do Presidente da República a avaliação da alegação da CNPD de que a alteração é inconstitucional. Sendo adepto da não aprovação da norma sem debate aprofundado e da metodologia que anunciei ao PÚBLICO, não participei na votação”, afirmou José Magalhães.

A proposta de lei para a transposição da directiva europeia “relativa ao combate à fraude e à contrafacção de meios de pagamento que não em numerário”, que pelo meio tinha uma alteração ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime, foi aprovada a 26 de Junho na generalidade, com votos favoráveis de PS, BE e PAN e abstenção das restantes bancadas, baixando à comissão de Assuntos Constitucionais, onde foi aprovada a 14 de Julho na comissão de Assuntos Constitucionais.

O Governo reconhece na própria proposta de lei agora aprovada que a alteração ao artigo 17º. se trata “de um aspecto não respeitante à transposição da Directiva”.

A Comissão de Protecção de Dados refere na sua argumentação que as alterações contrariam “quer a Constituição, quer os compromissos internacionais do Estado português, sendo insondável a razão da sua inclusão na Lei do Cibercrime”.

A entidade considera também que a “indistinção” entre dados pessoais e dados não pessoais viola a Constituição, na medida em que esta contempla “não só uma esfera de protecção para a reserva da intimidade da vida privada, como melhor a concretiza no direito à inviolabilidade da correspondência”.

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