Transportes: coragem na execução

A ferrovia continua presa ao papel, sem grandes desenvolvimentos para as regiões do interior, sem solução à vista quanto ao transporte internacional de mercadorias e nada atraente para os passageiros

Nos últimos 40 anos, a estratégia nacional para os transportes assentou essencialmente na rodovia e na construção de auto-estradas, numa lógica de utilização do automóvel individual e no transporte de mercadorias por camião. Sendo Portugal um país periférico, esta política de transporte determinou que o fluxo de mercadorias da e para a União Europeia seja efectuado maioritariamente por estrada. Já no que diz respeito ao transporte de passageiros, recorre-se essencialmente à via aérea. Apesar de 14% do transporte de mercadorias no território nacional ser (já) feito através da ferrovia - uma das maiores taxas entre os 27 Estados-membros, ficando apenas atrás da Alemanha - esta ainda não possui condições para se tornar como alternativa robusta para o transporte de passageiros ou para o comércio internacional de mercadorias. A cada década renovam-se os estudos e planos diretores, mas na prática pouco ou nada é concretizado no sentido de se implementar uma transição energética sustentada e sustentável ao nível dos transportes. Ora, esta inação é particularmente preocupante pois é preciso ter em conta que Portugal, para além de periférico face à Europa, conta com ainda duas regiões ultraperiféricas, a Madeira e os Açores, que requerem cuidados redobrados na referida transição energética.

A Comissão Europeia apresentou, no passado dia 14 de julho, um pacote com 13 propostas legislativas cujo objetivo é reduzir as emissões de CO2 em 55% até 2030, atingindo-se a neutralidade climática em 2050, em linha com a recentemente aprovada “Lei do Clima” e com o Pacto Ecológico Europeu. Os transportes, recorde-se, representam cerca de 25% do total de emissões de gases com efeito de estufa - 20,4% o rodoviário, 3,8% o aéreo e 4% o marítimo -, o que implicará um enorme esforço de adaptação. Entre as propostas apresentadas, no que concerne aos transportes, a Comissão pretende: (i) alargar o sistema de comércio de emissões ao sector da aviação e marítimo; (ii) obrigação de os aviões utilizarem combustíveis combinados sustentáveis para todas as partidas de aeroportos da União; (iii) criação de infraestruturas de abastecimento de combustíveis alternativos; (iv) utilização de combustíveis sustentáveis no transporte marítimo com fixação de um limite máximo para emissão de gases com efeito de estufa; (v) a partir de 2035 só podem entrar no mercado automóveis com emissões zero, ou seja, será o fim dos motores de combustão interna.

O grau de ambição destas metas depende da perspetiva de quem as analisa, não sendo esta a discussão que mais nos interessa já que serão, por certo, um grande desafio para a indústria, para os Estados-membros e para os cidadãos. A pergunta que se impõe é: está o Governo português preparado para este desafio? A resposta parece clara à luz do que sabemos hoje: não!

Os principais investimentos em termos de transportes públicos continuam a incidir na orla costeira e nos dois principais centros urbanos. No Plano de Recuperação e Resiliência, o interior continua esquecido, sem uma política integrada de aproximação dessas regiões aos centros de decisão - continuamos sem alternativas ao automóvel individual. Sem uma rede abrangente de postos de abastecimento não podemos falar de utilização massificada de veículos elétricos. A ferrovia continua presa ao papel, sem grandes desenvolvimentos para as regiões do interior, sem solução à vista quanto ao transporte internacional de mercadorias e nada atraente para os passageiros. No plano da aviação não tomamos decisões quanto ao novo aeroporto de Lisboa e retiramos relevo aos restantes aeroportos nacionais.

Ora, o problema de Portugal é muito mais um problema de falta de execução do que de financiamento: para além do Plano de Recuperação e Resiliência, temos o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, sendo que a proposta da Comissão Europeia contempla a criação de um novo Fundo Social para a Ação Climática que permitirá apoiar os cidadãos neste processo. 2030 está à porta e a mudança de comportamentos é inevitável, Portugal precisa de um governo que execute com coragem as reformas necessárias sem sustentar as suas decisões apenas em ciclos eleitorais.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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