Papa Francisco proíbe missas segundo o rito antigo nas igrejas paroquiais

Celebradas em latim e com o padre voltado de costas para os fiéis, estas missas saem das igrejas paroquiais e passam a estar sujeitas à autorização dos bispos. Eis o Papa a apertar o cerco ao sector mais conservador da Igreja Católica.

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A decisão do Papa foi divulgada apenas um dia depois de ter saído do hospital onde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica Reuters/VATICAN MEDIA

Fora das igrejas paroquiais e sujeitas à aprovação de um bispo. Em nome da comunhão eclesial, o Papa Francisco publicou esta sexta-feira um motu próprio (decreto papal) restringindo fortemente as missas segundo o rito antigo (ou tridentino), sujeitando-as à autorização de cada bispo e proibindo que sejam realizadas nas igrejas paroquiais.

Estas celebrações (em latim e com o sacerdote de costas para os fiéis) usam um missal de 1962 e pressupõem, em regra, uma rejeição das reformas introduzidas pelo Concílio Vaticano II (1962-65), cujo espírito conciliar Francisco tem procurado recuperar, por via de medidas como a maior abertura aos divorciados e recasados e às uniões entre pessoas do mesmo sexo, além de uma postura que aponta para uma Igreja menos clerical, mais próxima das bases e mais aberta às periferias.

Numa carta aos bispos de todo o mundo que acompanha o decreto papal denominado Traditionis Custodis, Francisco sustenta que, apesar de bem-intencionadas, as decisões tomadas por João Paulo II e, mais tarde, por Bento XVI de liberalizarem aquele rito, e que se escudavam na ideia de que era preciso evitar cisões e fomentar a comunhão na Igreja com os grupos mais tradicionalistas, acabaram por ser instrumentalizadas. “Infelizmente, a intenção pastoral dos meus antecessores (…) para recompor a unidade do corpo eclesial no que diz respeito às várias sensibilidades litúrgicas foi utilizada para aumentar as distâncias, endurecer diferenças e encorajar os desentendimentos que ferem a Igreja e bloqueiam o seu caminho, expondo-a ao risco de divisões”, lê-se no documento pontifício.

Declarando-se entristecido, o Papa lamenta ainda o que considera ser um uso “instrumental” do missal de 1962 por parte dos movimentos católicos mais tradicionalistas, cuja acção se tem caracterizado por uma “rejeição crescente” não só da reforma litúrgica, mas do próprio Concílio Vaticano II, que aqueles movimentos tendem a considerar ter consubstanciado “uma traição à verdadeira Igreja”.

Estas missas, lá fora e em Portugal, ocorrem no seio de movimentos como a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, um grupo tradicionalista que está em ruptura com Roma desde a excomunhão do seu fundador, o arcebispo Marcel Lefebvre, em 1988. Durante o seu pontificado, num gesto destinado a facilitar uma reunificação, Bento XVI levantou as excomunhões dos quatro bispos que haviam sido ordenados por Lefebvre à revelia de Roma, além de ter alargado a possibilidade de celebração das missas segundo aquele rito.

Mais recentemente, o próprio Papa Francisco deu sinais de vontade de reconciliação ao permitir que qualquer católico possa confessar-se a um padre daquela sociedade e aceitando como regulares os casamentos celebrados naquele contexto. Porém, em 2018, aquela fraternidade sacerdotal elegeu como novo-superior geral um sacerdote, o italiano Davide Pagliarini, que se opõe à reunificação com a Igreja Católica.

“A estreita relação entre a escolha das celebrações de acordo com os livros litúrgicos anteriores ao Concílio Vaticano II e a rejeição da Igreja e das suas instituições é cada vez mais evidente nas palavras e atitudes de muitos nomes do que eles consideram ‘a verdadeira Igreja”, vem agora dizer Francisco, considerando tratar-se de “um comportamento que contradiz a comunhão”. Face a isso, e depois de uma consulta aos bispos de todo o mundo, Francisco determinou agora que os diferentes grupos que celebram a eucaristia pelo rito antigo podem continuar a fazê-lo, desde que fora das igrejas paroquiais e com consentimento dos bispos. Estes são aconselhados ainda a não autorizarem a criação de novos grupos para além dos já existentes, cabendo-lhes averiguar se estes respeitam ou não a legitimidade da reforma litúrgica e do Concílio Vaticano II. Do mesmo modo, os padres ordenados daqui em diante não poderão celebrar a missa tridentina sem autorização do bispo, o qual está obrigado a consultar a Santa Sé. E os padres que já o fazem estão sujeitos a igual autorização para o poderem continuar a fazer.

Em Portugal, estas missas celebram-se um pouco por todo o país, quase sempre em capelas privadas ou noutros locais discretos. Em Lisboa, celebram-se todos os dias na Igreja de São Nicolau, com a autorização do cardeal-patriarca, D. Manuel Clemente.

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