Supremo recusa-se a julgar Operação Lex, mesmo com risco de processo ficar sujeito a decisões contraditórias

Juiz conselheiro remete arguidos para o tribunal de primeira instância, à excepção do ex-presidente da Relação de Lisboa Vaz das Neves, alegando que Rui Rangel foi expulso da magistratura. Decisão não é pacífica e Ministério Público vai recorrer dela.

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Francisco Romão Pereira

O Supremo Tribunal de Justiça recusa-se a julgar a Operação Lex, apesar de admitir que, com essa decisão, o processo que tem no epicentro o juiz Rui Rangel fica sujeito a decisões contraditórias.

No cerne da controvérsia está o facto de a lei estabelecer que os juízes dos tribunais superiores, como era o caso de Rui Rangel e da sua mulher Fátima Galante, só podem ser julgados nos tribunais superiores, por questões de prestígio da função. Sucede que quando a acusação do Lex foi deduzida pelo Ministério Público, em Setembro de 2020, já os dois desembargadores tinham sido afastados da magistratura, alega o juiz do Supremo Tribunal de Justiça actualmente encarregado da fase instrutória do processo, Sénio Alves. Ou seja, explica, citando abundante jurisprudência, já não reuniam os pressupostos para serem julgados neste tribunal.

Porém, o mesmo não sucede com o ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa Vaz das Neves, igualmente arguido do Lex por alegadamente ter orquestrado uma distribuição fraudulenta de processos destinada a beneficiar os interesses do colega Rui Rangel. Ao contrário do que chegou a estar em cima da mesa, o Conselho Superior da Magistratura decidiu não o reformar compulsivamente, tendo optado por lhe aplicar uma suspensão de perto de sete meses. E quando um arguido de determinado processo beneficia do chamado foro especial – ser julgado num determinado tribunal por via das funções que ocupa – isso implica à partida que o mesmo suceda com os restantes suspeitos do mesmo caso.

Porém, o conselheiro Sénio Alves socorreu-se de outro argumento para remeter para o tribunal de primeira instância o julgamento de todos os 16 implicados na Operação Lex, à excepção de Vaz das Neves: a necessidade de celeridade processual. Como o antigo presidente do Tribunal da Relação de Lisboa não pediu abertura da instrução do processo – uma espécie de pré-julgamento em que os arguidos tentam ser ilibados , é preferível que seja imediatamente julgado à parte no Supremo, defende. “O direito de os arguidos requererem a abertura de instrução não pode comprimir intoleravelmente o direito de outro arguido poder ser julgado imediatamente”, escreve no despacho em que ordena a separação de processos, invocando a disposição legal segundo a qual os juízes têm a obrigação de quebrar a chamada conexão processual quando esta for susceptível de “retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos”.

O juiz de instrução mostra-se consciente do risco que implica julgar um suspeito à parte dos outros, em especial quando estamos a falar de crimes alegadamente cometidos em co-autoria. Mas escreve que “os efeitos nefastos que daí derivam são os mesmos que resultam de qualquer outra separação” processual.

“Existe matéria factual com o mesmo denominador comum que terá de ser discutida em dois processos distintos, com o risco de decisões contraditórias”, reconhece o magistrado. Porém, “é um risco de que o legislador estava ciente”, tendo mesmo assim “optado pela celeridade processual”. Noticiada em primeira mão pelo Correio da Manhã, a decisão está a suscitar indignação entre alguns intervenientes do processo, sendo certo que irá ser alvo de recurso. Até porque os sete dos arguidos que pediram abertura da instrução fizeram-no já em Fevereiro passado, tendo ficado a aguardar decisão do Supremo sobre esse pedido até hoje, o que deita por terra as invocadas preocupações de celeridade processual. A Procuradoria-Geral da República informou o PÚBLICO de que irá recorrer. 

O ainda presidente do Benfica Luís Filipe Vieira também é arguido deste caso. Está acusado de recebimento indevido de vantagem, por suspeitas de ter tentado obter informação judicial privilegiada sobre um processo fiscal que envolvia uma empresa do filho.

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