Por um ensino trans-inclusivo

Vidas trans não são abstractas nem hipotéticas. São muito reais e marcadamente condicionadas por tantas camadas de discriminação socioeconómica, que preparam um cocktail completo de barreiras no nosso acesso ao ensino superior, como a tantos outros espaços tão essenciais para o cumprir de vidas dignas, plenas e com possibilidades.

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Angela Compagnone/Unsplash

A questão que coloco não é inovadora: como podemos chegar a uma educação democrática e inclusiva quando o acesso ao ensino superior comporta obstáculos socioeconómicos para tantos inultrapassáveis? Conhecemos a propina, as taxas, a necessidade de acesso a computadores, manuais, materiais, os custos insuportáveis de habitação, sobretudo em Lisboa, acompanhados por uma insuficiência crónica de residências estudantis. Se identificamos um ensino superior com condicionantes tão fortes ao seu acesso, temos necessariamente de identificar um ensino que reforça dinâmicas de marginalizarão e exclusão com base em quem pode pagar, e quem não pode.

Assim, proponho uma questão que me parece fulcral: pessoas trans têm acesso ao ensino superior? Esta não é uma questão à qual possa atribuir um sim ou um não. É uma questão que permite pensar as discriminações socioeconómicas e o seu peso muito significativo na vida de pessoas trans.

Primeiramente, é necessário afirmar que as nossas experiências não são unas, nem este texto representa uma tentativa de uniformizar as nossas vidas. Procura identificar um problema sério de insegurança económica que devemos levantar quando falamos seriamente do que significa ser trans. Mesmo assim, não podemos deixar de analisar este tópico compreendendo a discriminação transfóbica como algo crónico.

Para compreender de que forma o acesso ao ensino superior para pessoas trans está ainda mais condicionado, devemos entender como o ser trans se relaciona com condições socioeconómicas à partida mais desfavoráveis.

Sabemos que a não-aceitação de jovens trans por parte da família pode trazer consequências sérias para a nossa subsistência e bem-estar. Expulsões de casa, cortes de contacto e de apoio monetário à juventude trans são problemas sérios que agravam as condições de vida da nossa comunidade – exponenciando a exposição a situações de habitação precária e à ausência ou insuficiência de rendimentos e meios de subsistência. Evidentemente, estas são barreiras no acesso ao ensino superior.

A procura de trabalho para colmatar a ausência de rendimentos pode afastar possíveis estudantes do ingresso num novo ciclo de estudos. No âmbito laboral, existe uma grave tendência de discriminação transfóbica no acesso ao trabalho, que tantas vezes é negado por sermos trans.

As barreiras no acesso a rendimentos básicos são gritantes e traduzem-se em enormes graus de precariedade. Reflectem-se em dificuldade de acesso a habitação, ao cobrir de custos médicos (de transição, ou não) e, no geral, à subsistência. Neste padrão, é evidente que o ensino superior pode ser considerado um bem essencial ao qual o acesso por parte de pessoas trans estará muito dificultado, tendo como base uma complexa rede de discriminações e violências prévias sociais, familiares, laborais, habitacionais.

Vidas trans não são abstractas nem hipotéticas. São muito reais e marcadamente condicionadas por tantas camadas de discriminação socioeconómica, que preparam um cocktail completo de barreiras no nosso acesso ao ensino superior, como a tantos outros espaços tão essenciais para o cumprir de vidas dignas, plenas e com possibilidades.

Mesmo assim, num cenário de violência social, o que vemos e temos vindo a observar ao longo da história é a resiliência da nossa comunidade e, acima de tudo, a construção de estruturas de apoio que nos permitem encontrar oportunidades e possibilidades em novos espaços, enfrentando a marginalidade para a qual nos empurram.

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