Benfica, o que fazer?

Seja por uma via ou seja por outra, deve ser devolvida a voz aos sócios para que estes definam o futuro próximo do clube. A situação actual não é sustentável.

Ao que parece, a designação de Rui Costa, para substituir Luís Filipe Vieira, na presidência do Sport Lisboa e Benfica (SLB), ter-se-á filiado na disciplina da alínea a) do n.º 3 do art.º 61.º dos respetivos Estatutos.

Para que isso pudesse acontecer, ter-se-á tornado necessário que Luís Filipe Vieira tivesse indicado Rui Costa, vice-presidente, para o substituir, nas suas ausências e impedimentos, o que se admite possa ter acontecido.

Todavia, isso não significa que a situação, entretanto criada no SLB, possa ser resolvida à luz da disciplina daquele normativo.

Ao utilizar os vocábulos ausências e impedimentos, a ratio legis daquele normativo aponta para situações diferentes, em que as ausências e impedimentos possam ser de curta duração.

Tivesse o normativo utilizado os vocábulos no singular, a sua interpretação seria, necessariamente, diferente.

Antevê-se que o impedimento de Luís Filipe Vieira não seja de curta duração.

Mas, vamos, por um momento, considerar que a escolha de Rui Costa, para substituir Luís Filipe Vieira, esteja bem casada com a disciplina do normativo invocado.

Nesse caso, Rui Costa poderia ser indigitado para substituir Luís Filipe Vieira e, como consequência dessa indigitação, poderia substituí-lo, em face do seu evidente impedimento para exercer as respectivas funções.

Todavia, essa substituição não é compatível com a assunção, que Rui Costa fez, na breve declaração prestada em pleno relvado do Estádio da Luz, de que passaria, com efeitos imediatos, a ser o presidente do SLB.

Não. Quando muito, ele é um vice-presidente no exercício das funções do presidente, que está impedido de as desempenhar.

Não nos esqueçamos das palavras, certeiras, do Dr. Magalhães e Silva, advogado de Luís Filipe Vieira: suspensão não é renúncia.

Ou seja, o presidente eleito do SLB, ainda que impedido de exercer as suas funções, é Luís Filipe Vieira.

A tomada de posição de Rui Costa cria, no contexto actual, uma situação, ao menos, insólita: o SLB tem dois presidentes, um, eleito, que não pode desempenhar as suas funções e, outro, que pode desempenhar as funções inerentes ao cargo, mas que não foi eleito.

Bem se vê que esta situação não poderá prevalecer.

Então, o que fazer?

Já se disse e escreveu que os estatutos são omissos e que não prevêem uma situação como aquela que se está a viver.

Admite-se que assim possa ser.

Todavia, é preciso lembrar que os estatutos do SLB não são, no panorama jurídico nacional, uma ilha isolada e perdida no meio do Oceano Atlântico.

Integram-se no ordenamento jurídico português que, no Código Civil (CC), contempla, não uma solução, mas os meios de a alcançar.

O art.º 172.º do referido corpo normativo estabelece, no seu n.º 1, a regra segundo a qual competem, à assembleia geral, todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa colectiva, para, logo no n.º 2, esclarecer que é da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação (o SLB tem a natureza jurídica de associação).

Ora, se assim é, e não devendo a presente situação perpetuar-se, convirá que a Presidência da Mesa da Assembleia Geral (PMAG) convoque uma reunião extraordinária para debater a presente situação e deliberar sobre a forma de a resolver, o que pode fazer ao abrigo do n.º 3 do art.º 55.º dos Estatutos.

Caberá, agora, à PMAG desempenhar um papel relevante nesta crise.

Veja-se, a título de exemplo, o que fez a PMAG do Sporting Clube de Portugal, na crise que viveram e que, com o comportamento da Mesa da Assembleia Geral e do seu presidente, desbloquearam uma situação complexa e depuseram, nas mãos dos sportinguistas, o destino do clube.

Ora, é isso que se pede à PMAG do SLB.

Porém, como, entre os titulares dos órgãos sociais dos clubes, e de outras associações, existe, quase sempre, uma grande promiscuidade, é possível que a PMAG nada faça.

Se for esse o caso, caberá aos sócios tomar a iniciativa e, ao abrigo da mesma disposição estatutária, requerer a convocação de uma reunião da assembleia geral, desde que, em grupo, sejam titulares de, pelo menos, 10.000 votos.

Uma coisa é certa: seja por uma via ou seja por outra, deve ser devolvida a voz aos sócios para que estes definam o futuro próximo do clube.

A situação actual não é sustentável.

No processo-crime, segundo o que os órgãos de comunicação social afirmaram, terá sido imputada, a Luís Filipe Vieira, a apropriação de valores que serão propriedade do SLB.

Se estes factos lhe forem, efectivamente, imputados, o SLB terá todo o interesse em constituir-se assistente, no referido processo-crime, podendo, também, reclamar o pagamento de uma indemnização civil.

Ora, dada a relação próxima dos actuais administradores com Luís Filipe Vieira, alguém acreditará que esse pedido será feito?

É, por isso e também por isso, que a actual solução não serve.

Por outro lado, há, aqui, um aspecto que tem a ver com a legitimação democrática da solução que vier a ser encontrada.

Como se disse, Rui Costa não foi eleito como presidente do SLB.

Se, como o próprio afirmou, pretende pôr os interesses do SLB acima dos seus próprios interesses, Rui Costa deve demitir-se, arrastar consigo a demissão de toda a direcção e convocar eleições.

Aí, submete-se ao escrutínio e, se for eleito, parabéns, sr. presidente Rui Costa!

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