Comentários racistas contra jogadores ingleses deixam britânicos em choque. Polícia vai investigar

Os insultos racistas que invadiram as redes sociais contra Bukayo Saka, Jadon Sancho e Marcus Rashford vão ser investigados. “Este abuso é totalmente inaceitável, não será tolerado”, avaliou a Polícia Metropolitana de Londres, em comunicado.

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Bukayo Saka, de 19 anos, ficou inconsolável após ter falhado o penálti que deu a vitória a Itália Reuters/CARL RECINE

Bukayo Saka, Jadon Sancho e Marcus Rashford são os três jogadores da selecção inglesa que, apesar de terem carreiras brilhantes (e em ascensão: têm 19, 21 e 23 anos, respectivamente), falharam os penáltis na final do Euro 2020, dando, assim, a vitória do campeonato à formação italiana. E os utilizadores das redes sociais não só não perdoaram como usaram as várias plataformas para lançarem insultos racistas que o primeiro-ministro Boris Johnson descreveu de “hediondos”, e que não passaram ao lado das autoridades.

No Twitter, a Polícia Metropolitana de Londres escreveu estar a par “de uma série de comentários ofensivos e racistas nas redes sociais dirigidos aos futebolistas após a final do Euro 2020”, adiantando que irá investigar os insultos e os seus autores. “Este abuso é totalmente inaceitável, não será tolerado e será investigado.”

Além da investigação policial, a Associação de Futebol do país (FA, na sigla original) lançou um apelo às empresas por detrás destas plataformas de comunicação, considerando que estas “precisam de se chegar à frente” e “banir os abusadores das suas plataformas”, além de “recolher provas que possam levar a processos judiciais”.

A posição é partilhada pelo presidente da Câmara de Londres, Sadiq Khan, que exortou as mesmas empresas para que tomem acções no sentido de responsabilizar os autores dos abusos publicados online: “Os responsáveis pelos nojentos abusos que vimos online devem ser responsabilizados — e as empresas de redes precisam de agir imediatamente para remover e prevenir este ódio.”

A condenação dos comentários abusivos que tiveram como alvos Bukayo Saka, Jadon Sancho e Marcus Rashford foi transversal a toda a sociedade britânica, não deixando, porém, de servir para lançar farpas políticas. É que se, por um lado, tanto conservadores como trabalhistas concordaram na condenação do racismo — o primeiro-ministro considerou que a “equipa inglesa merece ser elogiada” e não “ofendida [com comentários racistas] nas redes sociais” —, por outro, o incidente foi aproveitado politicamente.

deputado trabalhista David Lammy usou a mesma plataforma para lembrar a deputada conservadora Priti Patel, que se manifestou consternada com os insultos, que a mesma defendeu que os adeptos tinham o direito de vaiar os jogadores que colocaram um joelho no chão, um gesto associado globalmente à luta contra o racismo, mas que Priti Patel leu como um gesto político de oposição. 

“É por isso que nos ajoelhamos. Rezando por um futuro melhor  digno dos valores, beleza e respeito exemplificados por cada um dos jogadores ingleses”, escreveu Lammy.

a FA garante que continuará “a fazer tudo o que estiver ao alcance para apoiar os jogadores afectados, pedindo as punições mais duras possíveis para qualquer responsável”. No entanto, a associação considera que não chega: “Imploramos ao Governo que actue rapidamente e crie a legislação apropriada para que este abuso tenha consequências na vida real.”

Entretanto, as manifestações de solidariedade para com os três jogadores multiplicam-se, a começar pela própria selecção inglesa: “Estamos revoltados com o facto de alguns membros da nossa equipa  que deram tudo pela camisola [do país] este Verão  terem sido sujeitos a ofensas discriminatórias online após o jogo desta noite.” 

Também o Arsenal recorreu ao Twitter para apoiar a sua estrela adolescente Saka: “O futebol pode ser tão cruel. Mas pela tua personalidade, pelo teu carácter, pela tua bravura, estaremos sempre orgulhosos de ti. E mal podemos esperar para te ter de volta connosco, Bukayo Saka.”

Já o Manchester United enviou uma mensagem de apoio a Rashford: “Um pontapé não te vai definir como jogador ou como pessoa, Marcus. Lembra-te disso. Estamos ansiosos por te dar as boas-vindas a casa.”

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Marcus Rashford, à esquerda, após falhar o penálti EPA/Andy Rain/POOL

Qual o lugar do racismo no futebol?

O presidente da Câmara de Londres, Sadiq Khan, foi peremptório: “Não há absolutamente nenhum lugar para o racismo no futebol”. No entanto, os estádios têm sido palco de vários incidentes: dentro e fora das quatro linhas.

Em Portugal, um dos episódios mais marcantes aconteceu, em 2020, com o jogador do FC Porto Moussa Marega, que, num jogo da I Liga frente ao V. Guimarães, abandonou o campo, depois de ter ouvido sons de imitações de macacos vindos das bancadas do Estádio D. Afonso Henriques, segundo a imprensa no local. O Vitória de Guimarães foi punido com três jogos à porta fechada e 53.550 euros de multa.

Dois anos antes, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) condenou o Rio Ave ao pagamento de 536 euros de multa pelos cânticos racistas proferidos pelos seus adeptos contra Renato Sanches, que na altura representava o Benfica.

Já em Itália, país que levou o troféu este domingo, em 2019, o presidente do Brescia, Massimo Cellino, proferiu palavras controversas sobre o futebolista do clube italiano Mario Balotelli. “O que se passa com Balotelli? Passa-se que ele é negro, o que é que vos posso dizer? Ele trabalha para ficar mais branco, mas tem muitas dificuldades.” Cellino lamentou as palavras escolhidas, mas, logo a seguir, Balotelli foi alvo de insultos racistas em alguns jogos.

A época que se seguiu ficou marcada por constantes episódios de cânticos racistas e comportamentos discriminatórios nos estádios italianos contra jogadores como Romelu Lukaku, Franck Kessie, Dalbert Henrique, Miralem Pjanic, Ronaldo Vieira, Kalidou Koulibaly ou Mario Balotelli  deste lote, apenas Pjanic, que é bósnio, não é negro.

E os “comportamentos racistas dos adeptos” têm sido motivo de castigos: as selecções de futebol da Roménia, da Hungria e da Eslováquia disputaram, em 2019, alguns jogos de qualificação para o Euro 2020 à porta fechada. No entanto, na fase final do Euro 2020, a Hungria destacou-se por não ter aderido ao movimento que levou os atletas a poisar o joelho no chão. A Federação Húngara de Futebol (MLSZ) explicou que a selecção é contra qualquer tipo de exposição ou exibição política nos estádios de futebol.

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