The White Lotus: os ricos e os pobres num hotel de luxo do Havai

A nova série de Mike White, criador de Enlightened, para a HBO estreia-se esta segunda-feira, com luta de classes, racismo, colonialismo e sexualidade pelo meio.

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Jennifer Coolidge é recebida por Murray Bartlett em The White Lotus DR

Estamos ao balcão de um bar de hotel de luxo numa ilha paradisíaca do Havai. O hotel chama-se, tal como a série que nele se desenrola, The White Lotus. O gerente do hotel, sob o efeito de drogas, ouve um hóspede rico que acabou de descobrir algo que muda toda a concepção da sua história familiar. A cara do actor que faz de gerente, Murray Bartlett, a reagir ao que o actor que faz de hóspede, Steve Zahn lhe diz, é ouro cómico. Cada expressão facial é hilariante. Bartlett, que já tinha feito Looking para a HBO e agora está nesta série de Mike White rodada em plena pandemia no Havai, centrada nos hóspedes e trabalhadores do hotel.

Muito facilmente isto poderia resvalar para o gratuito e exagerado. Não acontece aqui. “Falámos sobre esta personagem ter uma jornada bastante louca, com muitas emoções grandes e um conflito intenso, mas desde que tivessem a realidade a centrar isso, estava tudo bem”, conta Bartlett num junket via Zoom com vários dos actores da série. White, que escreveu filmes como Escola de Rock, de Richard Linklater, escreveu para séries como A Nova Geração, de Paul Feig, e foi o criador da brilhante Enlightened, assina a escrita e realização de todos os seis episódios desta nova série que se estreia esta segunda-feia na HBO Portugal.

The White Lotus observa o fosso entre os ricos e os pobres, o privilégio de classe e de etnia e questões sexuais, bem como o colonialismo de uma forma não raras vezes desconfortável e quase sempre hilariante. “O Mike é incrível a perceber e a retratar a miséria de uma forma que é ao mesmo tempo hilariante, acolhedora, de cortar o coração e intransigente”, explica Fred Hechinger, que faz de filho da personagem de Zahn. É, todos concordam, uma série que só poderia ter saído da cabeça de White. E isso nota-se no tom cómico e satírico que odeia e humaniza as personagens ao mesmo tempo. Que exagera, mas volta sempre à realidade.

Apesar do bom trabalho do resto do elenco, a série pertence realmente a Jennifer Coolidge, que faz de Tanya, uma mulher que está a lidar com a morte da mãe. Coolidge é uma exímia actriz de comédia e nunca a vimos assim. Conhecida sobretudo por Legalmente Loira e em American Pie: A Primeira Vez, bem como os filmes de comédia improvisada de Christopher Guest, tem aqui um dos seus papéis mais profundos e brilhantes. Infelizmente, foi a única pessoa no junket a que o PÚBLICO não pôde fazer perguntas. A falar com outros jornalistas, mencionou a raridade que é ter um papel tão sumarento e que a deixe sair da comédia mais ampla e óbvia que lhe é pedida (e à qual adiciona normalmente muitas camadas).

Há qualquer coisa de filme dos anos 1960/70 em The White Lotus. Finais que noutros contextos menos satíricos seriam felizes parecem ser tudo menos isso para as personagens. Como em A Primeira Noite, de Mike Nichols, de 1967, ou ainda mais Casei-me por Engano, da ex-colega de Nichols, Elaine May, de 1972. Ou seja, o que noutra história poderia parecer um final feliz está recheado de dúvida e até de infelicidade. Alexandra D’Addario, que faz parte de um dos casais da série, concorda, mencionado a auto-dúvida, medos, “tristeza e raiva” que entra em toda a sua personagem e na forma como esta lida com o casamento.

The White Lotus pode não ser para toda a gente, com o som teu ultra-específico, como é apanágio do trabalho desconfortável de White, mas é uma das grandes estreias do ano.

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