Sudão do Sul assinala dez anos de independência cancelando os festejos

Crise económica e humanitária impede festividades oficiais na jovem nação africana. “As pessoas estão com fome”, justificou o Presidente Salva Kiir.

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Um rapaz afasta-se durante a aterragem de um helicóptero das Nações Unidas na vila de Rubkuai, em 2017 Reuters/Siegfried Modola
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Cheias do rio Nilo no estado de Jonglei, em 2020 Reuters/ANDREEA CAMPEANU
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Metade da existência do Sudão do Sul como nação independente ficou marcada pelo conflito armado Goran Tomasevic

O Sudão do Sul assinala esta sexta-feira o décimo aniversário da sua independência do Sudão, numa altura em que atravessa uma grave crise económica e humanitária, agravada por um conflito armado que assolou a jovem nação durante cinco anos. A crise levou, aliás, ao cancelamento das festividades, anunciado pelo Presidente do país, Salva Kiir.

“Não vamos comemorar o décimo aniversário da maneira que gostaríamos de fazer. As pessoas estão com fome”, lamentou Kiir, dizendo que destinar recursos para as comemorações nesta altura seria “uma ofensa” à população. 

O vice-ministro da Informação, Baba Medan, indicou, por sua vez, que Kiir fará um discurso à nação através da rede nacional de televisão e pediu à população que celebre os dez anos de independência em casa.

A independência do Sudão do Sul materializou-se em 2011, seis anos depois de o país ter declarado a sua autonomia em relação ao Sudão e após um referendo em que o “sim” recebeu mais de 98 por cento dos votos. Disputas com o vizinho do norte ainda subsistem, o que tem dificultado as relações entre os governos de Juba e Cartum.

As frágeis instituições do Sudão do Sul, lideradas por Salva Kiir desde Julho de 2005, quando sucedeu ao líder da independência, John Garang, após a sua morte num acidente de helicóptero, estão sob grande pressão desde a independência, principalmente devido às tensões internas, que conduziram o país à guerra civil em 2013.

O gatilho foi a luta pelo poder entre o próprio Kiir e o seu então vice-presidente, Riek Machar, que pegou em armas após ser demitido, conduzindo a um conflito que durou até 2018. A guerra civil, na qual participaram dezenas de grupos armados alinhados com os principais partidos, liderados por Kiir e Machar, mas nem sempre totalmente leais aos dois líderes, mergulhou o país numa gravíssima crise humanitária e deixou cerca de 400.000 mortos, bem como perto de 2,2 milhões de deslocados.

O conflito chegou ao fim com o acordo de paz de Março de 2018 - após um primeiro acordo em Agosto de 2015 que ruiu pouco depois -, documento assinado pelo Governo e alguns dos principais grupos armados, incluindo o Movimento de Libertação do Povo do Sudão-Na Oposição (SPLM-IO) de Machar, que recuperou o cargo de vice-presidente.

Embora o acordo permitisse a criação de um governo de unidade, a tendência geral tem sido a lentidão na aplicação das cláusulas, com diversos adiamentos de prazos, sendo a reunificação do Exército um dos principais pontos pendentes e um problema que poderá desencadear um novo conflito.

Nesse sentido, o analista Luka Biong Deng Kuol afirmou, num artigo publicado pelo think tank Africa Centre for Strategic Studies, que um dos principais problemas é o “défice de governação”, marcado por elevados níveis de corrupção e a existência de um sistema dominado pelas elites políticas e económicas.

“A conclusão inevitável é que os líderes do Sudão do Sul após a independência não respeitaram os seus compromissos e não responderam às expectativas dos cidadãos”, escreveu Deng Kuol, argumentando que, mantendo a actual trajectória, “há poucos sinais que apontam para que o Sudão do Sul possa em breve ter um governo democrático e responsável.”

A instabilidade política e económica no Sudão do Sul conduziu a uma grave crise humanitária, com as Nações Unidas a estimar que 8,3 milhões de pessoas - cerca de dois terços da população - poderão precisar de ajuda humanitária em 2021, ao mesmo tempo que 7,2 milhões de pessoas sofrem de grave insegurança alimentar.

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