Morreu o realizador e ensaísta Ricardo Costa, aos 81 anos

Foi um cineasta da chamada “docuficção”, e também professor e editor. Integrou o grupo de fundadores da cooperativa Grupo Zero e o colectivo que filmou As Armas e o Povo logo a seguir ao 25 de Abril de 1974.

Foto
Ricardo Costa DR

O realizador, produtor e ensaísta português Ricardo Costa, cujo percurso se insere na chamada “docuficção”, morreu aos 81 anos, revelou esta quinta-feira a Associação Portuguesa de Realizadores (APR).

Formado em Letras, pela Universidade de Lisboa, Ricardo Costa foi professor do ensino secundário e editor na vanguardista Mondar Editores (1964-1975), opositora do regime de ditadura, que chegou a ter livros apreendidos. Seria só depois da revolução de Abril de 1974 que se ligaria profissionalmente ao cinema.

A propósito de uma palestra sobre a história oral do cinema português, em 2019, na Fundação Calouste Gulbenkian, Ricardo Costa escreveu um longo texto autobiográfico, no qual recorda que viveu “intensamente a crise académica de 1962” ao mesmo tempo que mantinha “o fogo sagrado do cinema”, em sessões com amigos.

Ricardo Costa foi um dos fundadores da cooperativa Grupo Zero, juntamente com João César Monteiro, Jorge Silva Melo, Solveig Nordlund, entre outros cineastas, colaborou no filme colectivo As Armas e o Povo (1975) e fundou, um ano depois, a produtora Diafilme. Naquela mesma biografia, Ricardo Costa relembra que as primeiras experiências a filmar foram a 25 de Abril  e nos dias seguintes  de 1974, registando a presença dos militares e dos civis nas ruas de Lisboa, recorrendo a bobines de película que tinha guardado no frigorífico, e colaborando na cobertura noticiosa para meios de comunicação da Alemanha e dos Estados Unidos.

A APR sublinha que Ricardo Costa foi “precursor na ‘docuficção’ em Portugal” termo que o próprio só associaria ao seu trabalho décadas mais tarde , ao lado de nomes como António Reis, Margarida Cordeiro e António Campos.

São dele os filmes Mau Tempo, Marés e Mudança (1976), E do Mar Nasceu (1977), Verde por Fora, Vermelho por Dentro (1980), O Nosso Futebol (1985) e o biográfico Brumas (2003), além de curtas-metragens e séries para a RTP, como Mar Limiar. A eles junta-se a denominada tetralogia Homem Montanhês, com os filmes Castro Laboreiro (1979), Pitões, Aldeia do Barroso (1979), Longe É a Cidade e Ao Fundo Desta Estrada (ambos de 1981), além do projecto Paroles, com entrevistas ao cineasta e etnólogo grancês Jean Rouch, filmadas no Museu do Homem, em Paris, em 1998.

Sobre a condição de “realizador-produtor”, Ricardo Costa lamentou que lhe tenham sido negados “direitos elementares de cidadania, de criar e de produzir, por incúria do Ministério da Cultura”. “É nessa condição que me mantenho, como muitos dos meus colegas mais novos, condição em que o caricato se espelha”, afirmava em 2019.

Ricardo Costa é ainda autor de vários ensaios sobre cinema, grande parte dos quais disponibilizados na sua extensa página pessoal na Internet.

Nascido em Peniche, em 1940, Ricardo Costa foi ainda um cidadão atento e participativo sobre a conversão do forte de Peniche em Museu da Resistência e da Liberdade.

Em 2018, o festival internacional de cinema documental Filmes do Homem, de Melgaço, numa edição dedicada às migrações e a Jean Rouch, teve também Ricardo Costa entre as personalidades em destaque, com a exibição de Castro Laboreiro, na sessão de encerramento. No catálogo dessa edição, o professor da Universidade Federal de Góias, no Brasil, José da Silva Ribeiro fala do carácter documental do cinema de Ricardo Costa e do modo como “regista, com recursos escassos, os passos de uma revolução inesperada (Cravos de Abril)” e como “percorre o país, escrevendo no real, improvisando ao sabor dos eventos: mar, planície, montanha”.

A APR revelou a informação da morte de Ricardo Costa na sua página oficial, sem adiantar pormenores sobre local, dia e causas da morte do realizador.

Sugerir correcção
Comentar