A Caixa dos Advogados e o referendo: um misto de sensações?

É hora de a CPAS provar que pode adoptar medidas excepcionais de protecção social, bem como medidas de apoio extraordinário à redução da actividade económica dos advogados, que sejam igualmente afectados nas respectivas vidas familiar e profissional, similares às que já foram atribuídas aos trabalhadores independentes.

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Rui Gaudencio

Volvido mais de um ano sobre a discussão intensa do tema das Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), chegou um momento histórico: um dia que pode ter sido bom para uns, e não tão bom para outros. Chegou o dia de os advogados e solicitadores poderem, de forma livre e democrática, escolher o seu sistema de contribuições, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores ou um sistema misto, em que a escolha entre a Segurança Social (SS) e a CPAS caberá a cada um.

Ambos são regimes antigos que surgem nos anos 20 e 30 do século passado. Se, por um lado, foi a lei n.º 1 884, de 16 de Março de 1935 que, em conjunto com diversos diplomas posteriores, criou a espinha dorsal do sistema de seguros sociais obrigatórios correspondente ao modelo então em vigor em muitos países europeus, por outro, o decreto-lei n.º 12.334, de 18 de Setembro de 1926, publicado no Diário do Governo N.º 208, veio posteriormente revogar e substituir o decreto n.º 11.715, remodelando-o e criando de novo a Ordem dos Advogados Portugueses, com sede em Lisboa e âmbito nacional.

Nos termos do artigo 77.º do citado decreto n.º 12.334, cada advogado era obrigado a contribuir para a Ordem com a cota mensal mínima que seria fixada pelo Conselho Superior da Ordem. Nos termos do n.º 1.º do referido artigo 77.º: “Do montante de cada cota, um terço constituiria um fundo permanente de assistência profissional” que “seria administrado pelo Conselho Geral da Ordem de acordo com o Regulamento a elaborar pela Assembleia Geral da mesma Ordem”.

Nos termos do n.º 2.º do mesmo artigo 77.º, a tal fundo permanente de assistência profissional seria aplicado, também, o saldo que porventura ficasse da despesa a cargo dos conselhos distritais, delegações ou conselho geral da Ordem. Assim nascia o embrião da Segurança Social dos Advogados Portugueses.

O seu objectivo primordial é, pois, de prover aos advogados e solicitadores uma velhice condigna, que represente adequadamente a recompensa de uma vida de trabalho e da inerente participação no sistema previdencial A verdade é que, até à presente data, os advogados e solicitadores eram obrigados a descontar para este regime, sujeitando-se aos direitos e deveres deste sistema.

No último ano, a luta pelos apoios aos causídicos em circunstâncias de pandemia foi a rampa de lançamento para a origem deste referendo, uma vez que a fragilidade deste sistema em termos de apoios demonstrou ser insuficiente.

O aumento das queixas e denúncias com a consequente falta de apoios na doença e parentalidade foram alguns dos temas mais discutidos, em função da quebra de rendimentos que a pandemia veio provocar.

Por seu turno, a CPAS, ao cobrar 251,38 euros por mês, pressupõe que um advogado ou solicitador tenha um rendimento mínimo por exemplo de 1500,00 euros ou mais para assim poder viver de forma condigna, o que choca com o facto de este valor contributivo ser devido independentemente dos rendimentos que o beneficiário esteja a auferir em concreto – que, em casos de doença e outros, podem ser nenhuns.

Estas foram as questões que estimularam uma maior revolta dos pares, que de forma legítima se insurgiram perante a falta de apoios e sobre uma “presunção” de rendimentos que este sistema estipulava. Segundo os resultados públicos do referendo, venceu o “sim” com maioria absoluta (53%), o que significa que os advogados poderão vir a escolher entre a SS ou a CPAS como o seu sistema de previdência.

Foram ainda contabilizados 16.852 votantes, com 9076 votos “sim” e 7.428 votos “não”, e ainda 336 votos nulos e 12 em branco. Segundo a CPAS, não votaram 51% (mais de 17.000) advogados activos.

O que, na verdade, pode significar que muitos profissionais entenderam que a própria CPAS não foi capaz de esclarecer cabalmente quais as vantagens de manter o regime, em prejuízo do regime da segurança social. Tal decisão foi certamente boa para uns e menos boa para outros.

Independentemente das escolhas futuras dos profissionais, no que ao seu regime de contribuição diz respeito, a CPAS devia entender este acto como uma “oportunidade” de vir provar que realmente pode proteger os interesses destes profissionais ou, por outro lado, não o fazendo, provará o que muitos profissionais têm defendido, ou seja, que a Segurança Social é, actualmente, o sistema que melhor defende melhor os interesses dos causídicos.

É hora de a CPAS provar que pode adoptar medidas excepcionais de protecção social, bem como medidas de apoio extraordinário à redução da actividade económica dos advogados, que sejam igualmente afectados nas respectivas vidas familiar e profissional, similares às que já foram atribuídas aos trabalhadores independentes.

Na verdade, o que se pedia era uma igualdade de tratamento. Terá a CPAS essa coragem?

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