Governo não aceita imunidade penal para denunciantes na lei da concorrência

Proposta de lei do Governo que transpõe directiva europeia, e é hoje discutida no Parlamento, não acata proposta da Autoridade da Concorrência, que faz vários reparos ao diploma.

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"Insegurança jurídica" pode prejudicar denúncias, diz a AdC Nuno Ferreira Santos

A Autoridade da Concorrência (AdC) queria que os denunciantes de práticas ilícitas passassem a ter imunidade penal, mas o Governo não acatou esta proposta, conforme noticiou o Jornal de Negócios esta quarta-feira.

Num parecer enviado ao Parlamento, que debate esta quarta-feira em plenário o diploma apresentado pelo executivo (Lei 99/XIV/2) para transpor uma directiva europeia e alterar a lei da concorrência em vigor, a AdC destaca que esse é um aspecto que deve ser alterado.

“A insegurança jurídica quanto à eventual imunidade de dirigentes, membros dos órgãos de administração e de outros membros do pessoal dos requerentes de dispensa da coima relativamente a sanções individuais, incluindo sanções de natureza penal, pode desincentivar potenciais requerentes de apresentarem pedidos de clemência”, diz a AdC.

Para a instituição liderada por Margarida Matos Rosa, este é um “elemento essencial para salvaguardar a eficácia do programa de clemência”, sublinhando que sem a sua inclusão corre-se “o risco de não transposição correcta” do artigo em causa da directiva europeia.

Por outro lado, no seu parecer, a AdC diz também que a proposta de lei do Governo, via Ministério da Economia, “não acolhe as propostas da AdC para alterações ao Código dos Contratos Públicos”, onde se pretendia, por exemplo, “que os requerentes de clemência não ficassem impedidos de participar em concursos públicos”.

AdC quer menos influência do Governo

Entre várias críticas, e depois de ter elaborado e enviado ao Governo, a pedido deste, um anteprojecto de transposição da directiva em causa - 2019/1/UE (ECN+) -, a AdC diz que “causa estranheza que a proposta de lei contenha uma alteração ao n.º 1 do artigo 40.º dos estatutos da AdC que preveja uma nova forma de intervenção do Governo sobre o funcionamento da AdC: ‘podendo contudo ser destinatária de regras estratégicas gerais ou orientações em matéria de prioridades não relacionadas com inquéritos sectoriais ou com processos específicos para aplicação dos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia'”.

“Uma vez que se trata de uma modalidade nova de intervenção do Governo sobre a missão da autoridade de concorrência”, defende esta entidade, “considera-se que esta alteração é contrária ao espírito da directiva de reforço, e não de limitação, da independência das autoridades de concorrência”. 

Neste campo, a AdC faz também um outro reparo, ligado ao tema do seu financiamento. A partir da entrada em vigor da nova lei, a AdC vai deixar de ficar com parte do valor das coimas, de modo a reforçar a sua imparcialidade face às sanções aplicadas às empresas. A sua principal fonte de receitas reside nas transferências das entidades reguladores sectoriais, o que lhe garante a independência do Governo.

Mesmo assim, a AdC reclama que, “no que respeita à autonomia financeira, observa-se que a Proposta de Lei não acolhe as propostas inicialmente apresentadas” e que passam por uma alteração à Lei de Enquadramento Orçamental (LEO). Com isso, esta entidade quer garantir, de forma clara, que matérias como pedidos de autorização de despesas ou cativações de verbas decididas pelas Finanças, “na parte que não dependam de dotações do Orçamento do Estado ou que não provenham da utilização de bens do domínio público, não são aplicáveis à AdC”.  

Entre as novidades da nova lei está a possibilidade de a AdC aceder a registos, e-mails ou qualquer outro tipo de informação ou dado que esteja armazenado em computadores portáteis e telemóveis dos trabalhadores ou gestores de empresas que estejam sob investigação.

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