Vai nascer o “Bairro Dada” no Porto para fazer de uma rua “uma nova centralidade do turismo”

Projecto do dono da Livraria Lello pretende aumentar de três para quatro milhões o número de turistas que visita a cidade. Ciclo de Conversas Urbanas debateu o estado da arte pública e como preservar esse património.

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Vão ser recuperados cinco edifícios da histórica Rua do Loureiro Manuel Roberto

Já tem nome e deve estar pronto até 2025. Chama-se “Bairro Dada” e vai nascer na Rua do Loureiro, no Porto, mesmo ao lado da Estação de S. Bento. O projecto foi anunciado por Avelino Pedro Pinto, sócio maioritário da Livraria Lello e dono do Teatro Sá da Bandeira, no Porto, e do Centro Empresarial Lionesa, em Leça do Balio, no Ciclo de Conversas Urbanas. “Temos uma base de cerca de três milhões de turistas por ano no Porto e queremos aumentar esse número em um terço até 2025”, garantiu o empresário no debate “Arte pública: como se gere este património?”, promovido pelo PÚBLICO, com o apoio da Gaiurb.

Pedro Pinto revelou pretender “aumentar de três para quatro milhões o número de turistas que visitam anualmente o Porto e aumentar de 1,4 para duas noites a média de estadas na cidade [por turista]”. Para isso, vão ser recuperados cinco edifícios da histórica Rua do Loureiro e criado “um conjunto de projectos identitários”, sem, no entanto, revelar como vai ser concretizado. “O propósito é o de ser uma alavanca de desenvolvimento económico”, disse.

“Queremos que seja uma rua a falar à Porto, com sotaque à Porto”, acrescentou Pedro Pinto, quando questionado se este projecto se destina apenas a visitantes, ou se terá uma componente habitacional. “Este é um projecto de rua, é para as pessoas do Porto. Não há projectos sem gente.”

Numa homenagem ao dadaísmo feita pelo próprio Pedro Pinto, o “Bairro Dada”, cujo nome “já está registado”, será “a nova grande centralidade do turismo na cidade”, entre a Estação de S. Bento e a Ponte D. Luiz I – “uma das zonas mais movimentadas do Porto”. Do projecto faz parte a mítica Confeitaria Serrana, em cujo interior são visíveis pinturas de Acácio Lino, pintor e escultor português do século XIX, e que serão preservadas. Também as famosas bolas de Berlim da confeitaria, “património da cidade”, terão papel central na revitalização deste espaço do Porto.

Num debate centrado na definição da arte pública e do que ela pode fazer pelas cidades, Pedro Pinto aproveitou a oportunidade para garantir a recuperação do “património material e imaterial que existe dentro da Muralha Fernandina, classificado pela UNESCO, dentro do casco medieval”.

De vandalismo a forma de arte

A revitalização urbana foi um dos temas centrais das “Conversas Urbanas”, tendo o artista urbano MrDheo lembrado que esta forma de expressão “quebrou o paradigma da arte normal nas últimas quatro décadas”. Primeiro, pela ilegalidade, depois pelo facto de ser acessível a todos, por estar incluída no espaço urbano. “Deixou de ser vandalismo para passar a ser uma forma de expressão artística”, disse MrDheo, que se mostrou contra a profissionalização deste género de arte. “Não me identifico com quem acha que sabe pegar num pincel e depois vai fazer uns trabalhos encomendados.”

Pedro Gadanho, director executivo da candidatura da cidade da Guarda a Capital Europeia da Cultura em 2027, classifica a arte pública como “entretenimento e fruição”. Além disso, serve para “ocupar espaços que estavam vazios”, sendo agora “receptáculos de arte”. “Os museus podem excluir as pessoas, porque estas não se identificam com os códigos dos museus e a street art [arte de rua] quebra barreiras.”

Trazer ao público “temas que interessam a todos” é um dos lemas de MrDheo, para quem a sua missão “é chocar”, ao mesmo tempo que critica o “pouco cuidado que existe com quem mora nos sítios. Até já se faz publicidade nas pinturas de rua”.

Silicon Valley cultural e Queijo da serra

Ora, Pedro Pinto defende que a arte pública só faz sentido se servir também para fixar as pessoas. Dando o exemplo de Silicon Valley, nos Estados Unidos da América, o empresário recordou o trabalho feito com diversos artistas para pintarem a Lionesa: “Ninguém vive lá, as pessoas moram a 40 ou 50 quilómetros e lá só vivem sem-abrigo. Foi para captar talento, para fazer com que empresas venham para Portugal e que o talento seja fixado através da arte e da cultura que fizemos esse trabalho na Lionesa”.

Pedro Pinto recordou, ainda, a ideia de construir um roteiro cultural através “dos 234 quilómetros dos Caminhos de Santiago”. Partindo do Mosteiro de Leça do Balio, intervencionado pelo arquitecto Siza Vieira, o empresário diz sonhar “tornar o Porto e o Norte num Silicon Valley cultural”.

Sonhos à parte, o empresário garante estar empenhado em levar o Queijo da Serra à categoria de Património Imaterial da Humanidade. Uma forma, diz, de garantir o desenvolvimento económico da região serrana, mais até do que Guarda-2027. “Gosto de pensar a arte ao serviço da economia. Se calhar, não pensaria apenas numa Capital Europeia da Cultura, mas num produto agregador. Juntar o Queijo da Serra, o requeijão, o cão da Serra e o borrego… não sabíamos o bem que estávamos a fazer a toda essa região”.

Pedro Gadanho discorda da abordagem e garante que a candidatura da Guarda envolve diversos projectos de investigação artística, envolvendo as tradições culturais da região, como a transumância. Porque, garante, “é necessário encontrar todas as frentes para combater a perda de população na região, que actualmente significa um decréscimo de 10 por cento a cada 10 anos. Ou seja, dentro de 100 anos não haverá ninguém para produzir o Queijo da Serra, ou outra coisa qualquer”.

Desafiados a deixar uma sugestão para o local onde vivem, MrDheo (Vila Nova de Gaia) falou na “criação de programa de arte urbana, de apoio aos jovens”, enquanto Pedro Gadanho prefere “um fast forward para que as cidades se tornem mais verdes e com menos carros”. Pedro Pinto voltou aos dois sonhos: fazer dos Caminhos de Santiago “a maior estrada da arte do mundo” e do Queijo da Serra “o motor de desenvolvimento económico da toda uma região”.

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